da mentira, resta-me este ar perturbado de quem se passeia, perdido, pelos meandros das palavras dos outros, à procura de um sinal, de um respirar, carne viva ao passar dos dedos. da mentira, tenho todos os homens e todas as mulheres do mundo que me lêem e me amam e me adoram, e assustam os poucos homens e as poucas mulheres que me podiam tocar, a chegar sequer perto. da mentira, tenho os olhos bonitos e o sorriso caloroso.
da verdade, tenho as lágrimas na almofada. os dedos que, agora, prendo quando em ti penso. os movimentos desleixados e tristes da masturbação. o acordar sempre sem objectivos.
da mentira, tenho a alegria de estar vivo e de querer sempre mais. o peito inchado de uma camisa demasiado apertada que faz suspirar as mulheres de meia-idade que passam por mim na rua. o ar distante do jovem empresário. da mentira, tenho o sucesso todo que sempre desejei. a sorte de estar no sítio certo, na hora certa. o andar de carro por cidades que não conheço, só para fugir à minha.
da verdade, o peixe que descongela no lava-loiças. uma amiga que me espera sempre até se chatear com a minha ausência. um estudo que nunca ficará pronto. a casa cheia de pó e pensamentos inúteis.
da mentira, tenho uma certa coicidência discursiva que não é mais nada do que o não saber o que dizer. um ar de caçador que acaba sempre por ser caça. um ter a ilusão de que conheço, ou devia conhecer, todos aqueles que me lêem. o pensar que mais ninguém é como eu, que detesto conhecer aqueles que gosto de ler. o estar sempre em contacto com o mundo inteiro.
da verdade, não tenho nada que te possa mostrar em palavras. porque as palavras já as gastei com a mentira que fiz da minha vida. da verdade, tenho as minhas mãos lavadas e os meus olhos que te esperam. da verdade, só a triste impressão do nunca nunca te encontrar.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
quarta-feira, maio 04, 2005
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Arquivo do blogue
-
▼
2005
(461)
-
▼
maio
(68)
- filme francês
- casalinho
- eu não sei como é
- Um editorial recusado que se salvou do lixo
- férias de mim
- trata-me por senhor
- de repente, eu
- os poemas estão escritos em francês
- talvez uma crónica de domingo
- oriente-se a oriente
- para saberes da minha verdade
- visionária
- a zanga do poeta que tem razão
- encontro
- voz
- triste américa
- surdez
- cama
- copos
- guilhotina
- gesso
- remistura
- pensamento da noite
- 00:00
- frases
- lisboa
- previsão do tempo
- anotações sobre o real dos meus olhos
- rinite alérgica
- ofício de escrita
- no começo era o verbo
- fala comigo
- a pior parte de um coração partido
- encontro virtual
- nava-lha
- teoria da repetição
- vou deixar de fazer perguntas retóricas
- a catorze de maio
- Carta a Inês de Castro
- a treze de maio
- [ a casa das mil portas ]
- quantas vezes
- marcas
- nórdico deprimido
- a aprender como se faz
- dedos
- asas cortadas voam melhor
- o espaço em volta
- a vida devia ser como no championship manager
- miopia
- ir dormir contente
- introdução a "auto-perfil"
- amor
- problemas de segurança
- era depois da morte
- balcão
- calor
- [o título que tu quiseres]
- da verdade e da mentira em L.F.C.
- exercício sobre a solidão
- simulação
- teoria da literatura - III
- de ganga...
- e um dia pensei
- wine
- escreve
- será que alguém me ouve?
- mesmo assim
-
▼
maio
(68)
2 comentários:
São tão estranhas as tuas verdades. As tuas mentiras... =/
Vou contar-te uma verdade.
CTT.
Aurélio Ricardo Belo e tal.
Não.
Sim, claro que sim. Não sejas tonta.
Não.
Sim.
Não.
... não.
E entretanto mudou o destinatário.
O peito sussurrou... a caneta escreveu outro nome... O envelope era mole... A caneta era dura... A consciência doía tanto...
Amanhã envias outro, dizia.
Não tens outro, respondia.
Fazes outro mais bonito, dizia.
Odeio-te, respondia.
E vim para casa.
Ficou o odeio-te. E ficou outro destinatário.
Sou horrível e gosto de enviar encomendas para a terra-do-nunca. E para o 4º Dto.
Tua...
Da mentira: um amor. Da verdade: além-mar.
Enviar um comentário