Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

terça-feira, setembro 30, 2003

[carregue em qualquer tecla para reiniciar]

Manda. mas anal quem sou ?

Fashiongrafia. onde não está a freira em nós?

Imago,

Lx, terei directo (devia)?

Tipo

SoHo!
que busco eu, pá? além de mim esse passo sem fundo.

brazeiro

sorrio no escuro do meu quarto. Escorrendo-me o suor pela face, é em ti que penso, mais uma vez. Deixo-me facilmente envolver pelos recursos da tua voz, pelos teus argumentos cheios de um amor que reconheço na palma das minhas mãos...
sabes?
nunca te disse isto. era eu pequeno, alguém me leu a sina. disse-me que acabaria por encontrar na minha vida alguém cujos nomes próprios teriam como iniciais * e * . nunca levei isso muito a sério, apesar de ser claro o desenho do * na minha mão esquerda e o desenho do * na minha mão direita. todas as ** que eu conhecia eram pessoas sem interesse, pessoas que,tinha eu a certeza, nunca na vida poderiam ser o meu fim.
reviro-me mais uma vez na cama. é impossível para mim conter uma forte erecção sempre que penso em ti, sempre que falo contigo. às vezes apetece-me falar-te de um poema, de uma impressão, de uma nuvem. mas é impossível conter o desejo que sinto por ti, impossível ignorar o desejo de te ser. tento disfarçar. mas não aguento. desejo-me ser parte de ti.
agora que apareces, * *, volto a recordar o momento em que era pequeno e me disseram que chegarias. não sei se servirá de alguma coisa, forçar-me a reviver esta incoerência de procurar uma validade cósmica para os meus sentimentos. olho para trás, como que a tentar perceber onde tudo isto começou, e encontro * * no início da linha, uma * * que ficou lá atrás mas que serve ainda, sempre, de marca de um eu que está aqui, em construcção, para ti.
masturbo-me em frente á tua imagem feita nos meus sonhos. não sei porquê. é sempre assim.

quinta-feira, setembro 25, 2003

como dizer neurótico em alemão, foda-se

encontrei-o a passear sozinho na rua às 3 ou 4 da matina, andava eu meio perdido pelas ruazinhas pequenas da parte velha da cidade à procura de alguém que me pudesse arranjar um cigarro. parei o carro e deixei-o ficar quase preso contra a parede. baixei o vidro e disse-lhe que vinha em paz. o gajo sorriu, meio aliviado. será que tens um cigarro que me arranjes? o gajo riu-se outra vez. achei que aquilo não tinha piada nenhuma. era tarde, estava frio, tanto eu como ele deveríamos estar a caminho de casa. eu tentava despachar a cena e ele só se ria. mandei-o pró caralho e arranquei. no entanto, vi pelo retrovisor que o gajo se tinha posto no meio da estrada a acenar-me, como se eu estivesse a partir de viagem para muito longe. Travei e fiz marcha-atrás. voltei a fazer-lhe a mesma cena, de vidro aberto, será que me arranjas um cigarro, caralho, arranjas ou não? o gajo balbuciou umas quantas palavras. não percebi nada, o cabrão era alemão.
mandei-o entrar para o carro e continuei na minha busca por cigarros, agora com a complementaridade de também procurar cerveja para o sacana do camone que trazia comigo. o gajo fartava-se de falar coisas que eu não percebia. ao fim de uns tantos quarteirões encontrei um bar de alterne que talvez nos pudesse salvar. olhei pra ele e, amigo, não é grande coisa, mas a esta hora ninguém nos arranja melhor. pelo menos era um sítio limpinho, apesar de os preços serem o que são e de termos que aguentar com umas quantas brasileiras a imitarem as gajas do canal 18. pedimos duas cervejas e um maço de cigarros. o alemão ria-se e falava comigo como se eu fosse da terra dele. eu bebi o meu copo sossegado e fumei dois cigarros. o gajo insistiu em pagar-me outro copo e eu não tive como recusar. o gajo falava, falava, falava, e embora eu não percebesse patavina do que ele me queria dizer, acenava a cabeça e comecei a ver que o gajo estava a contar-me a vida dele. és um existencialista de merda, disse-lhe. o gajo ria-se e continuava a falar. parecia ter uma perspectiva bastante irónica das merdas todas que lhe tinham acontecido na vida. seriam talvez as mulheres e os empregos e essas tretas que a malta tem a mania que servem para nos fazer pensar e até, para os mais complicados, sofrer. continuamos a beber e o gajo quase que chorava. quando o dono do bar nos mandou embora, o gajo enconstou-se à parede, já na rua, a chorar baba e ranho e a dizer coisas que, não sabendo o que era, me parecia fodido. fico sempre irritadiço quando tenho sono. peguei-lhe na cara e disse-lhe, amigo, sabes o que tu és? tu és é um granda... granda... o gajo não me percebe, filho da puta, mas será que alguém me ensina como dizer neurótico em alemão?

quarta-feira, setembro 24, 2003

como dizer neurótico em alemão. 1ª lição

a sério que levavas a mal se eu te partisse a cara? não, diz-me a sério, levavas a mal se eu desatasse para aqui a dar-te pontapés nessa boca de palhaço? não faças essa carinha de quem está a controlar, ó estúpido. e se eu te desse com as costas da mão na fuça, te partisse esses óculos de paneleiro em dois e te esmurrasse o nariz em pedacinhos? não achavas bonito? não te ia parecer interessante? vá, fala!! não fiques só aí a olhar com o teu aspecto de tanso. estás todo cagadinho, não estás? é que é fodido, é mesmo muito fodido. eu vir-te encontrar aqui, onde ninguém acha que vai encontrar alguém. vens tu de tão longe, lá do meio dos teus sonhos de paneleiro do caralho, e encontras-me logo ao virar da esquina. ainda por cima, de manhã! alguma vez pensaste que eu vivia de manhã? claro que não, a gente encontra-se sempre de noite. é sempre de noite que eu te chateio os cornos para te pedir uns trocos. é sempre de noite que me meto com as miúdas que tu convidas para sair. é sempre de noite que eu as fodo, também. sim, fodo-as. tu sabes bem disso. fodo-as todas. todas aquelas com quem tu és incapaz sequer de trocar um beijo. e sabes porquê? porque tu és um merdas. tu não vales para nada. tens a mania que és esperto, que és estudante, que és "interessante", coitado, um borra-botas destes, a pensar que é "interessante", mas tu já te viste bem ao espelho? tu já te viste bem ao espelho? eu digo-te o que é que tu podes ver num espelho, ó estúpido. para começar, és gordo. sim, és gordo. feio. horrível. andas sempre com a barba por fazer. se isso te ficasse bem, mas, não, só acentua o teu aspecto de merda rala. os olhos são pequeninos, quase sempre fechados, ou pelo menos parecem quase sempre fechados, nem dá para ver se são verdes ou azuis ou castanhos. provavelmente são cor de merda, que é aquilo que tu és. depois há o teu cabelo. ou o que resta dele, meu cabrão. tens o pavimento capilar mais liso que uma pista de fórmula um. sobram-te umas escapatórias de cada um dos lados, parecem aquelas merdas para aquecer as orelhas. sim, porque tu deves ser friorento. todos os maricas são friorentos. é uma castigo divino. és fraco, mariquinhas, toma lá com o frio que é para ver se espertas. mas tu nunca espertas, doutorzinho de merda. e não é por mudares de bairro que agora ias conseguir safar-te de mim. sim, porque eu tenho que viver na mesma. e o que é mais engraçado, é que, se eu tenho que fazer uns quantos querteirões para te vir encontrar, o melhor é que me dês mesmo toda a massa que tens aí nessa tua carteirinha de menina. sim, meu cabrão, vais dar-me o teu dinheirinho todo, que é para não haver chatices, percebes? ficamos todos amigos e ninguém se magoa. percebeste, ó monte de merda? estás a entender? ou queres que eu te faça um desenho em alemão? pisga-te, filho da puta. até para a semana.

terça-feira, setembro 23, 2003

que chatice, Clarisse

deixa-me que te diga que assim não vou aguentar muito tempo contigo. eu já me conheço e já te conheço, posso dizer-te com alguma segurança que, pelo caminho que estamos a levar, isto não vai chegar longe. podes dizer que é defeito meu, podes acusar-me de ter mau feitio, podes fazer o que quiseres. eu já sei como é. e depois não venhas com aquelas histórias do "ao menos podias ter avisado", aquelas tretas " se tivesses dado um sinal". eu sou o sinal. olha bem os meus olhos e vê o que eu te estou a dizer. isto vai dar merda, asseguro-te que vai. a ti, só te resta acreditar. em mim.
eu sei que tu colocaste muitas esperanças nesta nossa relação, que tiveste que convencer os teus pais de que eu não era mau rapaz, que disseste a toda a gente lá na tua escola que eu era o máximo, e te tratava muito bem, e te levava a todo o lado, e fazia isto, e fazia aquilo, eu era mesmo muito bom. eu sei que gastaste um monte de massa a mandar sms para aquelas cenas que passam nas televisões, no sol música, no big brother, até para o programa do goucha mandaste cenas, eu deitado no sofá da sala a tentar perceber que tipo de anormal estava a ser entrevistado e a ver passar na parte debaixo do écran, LUIS AMO-T MT ÉS O MÁXIMO QUERO SER SEMPRE TUA Clarisse, Alcoutim, eu a sentir-me adoentado, uma espécie de febre a crescer-me nas têmporas e sms no meu telemóvel ESTÁS A VER A TVI, MY LOVE?, essa tua mania de usares sempre e exclusivamente as maiúsculas do aparelho.
e agora, se bem que me invada uma certa tristeza por te ter que dizer isto, a verdade é que isto não vai dar. não é que eu não aguente a pressão de andar a namorar contigo, a sério, não são os outros, não são os "outros" também, porra, não são os meus amigos do cineclube, nem a malta do café do Zarolho, nem os meus pais, nem a minha mãe, não é ninguém. és mesmo tu. porque tu és uma chata e fazes um monte de coisas que achas muito fixes sem sequer pensar se eu me sinto confortável com isso. tu és toda "ele é o máximo, ele é tão bom, eu quero tanto, eu gosto muito" e depois baixas os olhos e segues em frente, estilo cortador de relva, sobre mim. eu não gosto de ser atropelado, eu não gosto nada de ser atropelado. beijo.

domingo, setembro 21, 2003

o blog dele

já me liguei umas dezenas de vezes no blog do gajo desde a última vez que lá deixou uma coisa nova e o cabrão nunca mais renova o texto que lá tem. é sempre assim, aquele filho da puta. vem com falinhas mansas, com ideiazinhas, com coisinhas boas e depois, trás!!!, desaparece, deixa de escrever, deixa de dizer seja o que for, deixa de mandar mensagens, toques, nada... aquele cabrão.
sinceramente, estava muito melhor quando não o conhecia. era uma rapariga mais calma, mais ponderada. não andava com aquelas ideias estranhas que o boi me põe na cabeça. a falar-me de sexo ao ouvido logo no nosso primeiro encontro. depois as mãozinhas nas minhas pernas, a gabar-me a saia, a gabar-me o olhar. eu sei do que gosto. o pior é que ele também parece sempre saber do que eu gosto, o anormal. leva-me para o cinema e põe-se a tentar enfiar as mãos dentro das minhas calças. leva-me a passear e tenta violar-me sempre que encontra um pinhal. é um tarado. e consegue fazer de mim uma taradinha também. adoro aquele filho da puta.
depois no outro dia aparece-me no café todo contente, com aquela cara de parvo que começo a achar que lhe é característica, a dizer-me que tinha um blog, que ia ser fixe porque assim eu poderia saber sempre o que ele andava a pensar, prometeu-me que ia escrever muito sobre mim, contar as nossas histórias, a dizer-me que como éramos assim libertinos as pessoas iam gostar e talvez, depois, nos convidassem para fazer um filme ou assim. cabrão de merda, convenceu-me, nem sei bem porquê.nos primeiros tempos até que era engraçado, ver aquelas cenas que ele me fazia ali escritas no computador. mas depois o cabrão começou a escrever sobre cenas que nós não fazíamos. que era só ficção, que eram umas ideias... ideias do caralho. a verdade é que entretanto também deixou de ter tempo para ir ao café comigo, para me levar ao cinema, para essas merdas todas. e agora deixou de escrever no blog dele. o cabrão, o cabrão arranjou outra puta qualquer,foi o que foi... e eu a ligar-me dezenas de vezes àquela última frase... E seguimos caminho de volta para casa.

quarta-feira, setembro 17, 2003

eu sou o joaquim

eu a entrar na tasca, a olhar para os papéis colados nas prateleiras de vidro, debaixo de garrafas de whisky, licor, aguardente, um homem debaixo daquilo tudo, o cabelo oleoso, puxado para trás, com uns tufos a saírem detrás das orelhas, o bigode imprescindível e imponente, os olhos raiados de sangue (dos copos) e os papéis, temos pipis orelha bifanas, sanders de fiambre queijo mixta paio chouriçoo, dão-se alvíssaras a quem encontrar um cachorro de cor castanha clara, a bica custa 50 paus, 12 32 34 36 41 43 + 5 TOTOLOTO / 21 24 26 36 39 47 + 32 LOTO DOIS. Chego-me ao balcão, sento-me numa daquelas cadeiras desconfortáveis de tasca e o homem sorri para mim e diz-me, como se confidenciasse a descoberta da pólvora, Também temos marisco. Eu olho-o e digo, Marisco o caralho!
Tenho as calças todas manchadas de tinta, os pelos dos braços eriçados, as unhas todas cagadas. tive que trazer os óculos antigos para não estragar os novos, estou a ver mal como o caralho e ainda por cima estou com uma ressaca daquelas. ontem à noite fui sair com a Melanie, uma vizinha minha que nasceu na Bélgica e que é uma grande puta, adora meter-se comigo quando vamos no elevador, põe-se a fingir que me vai apalpar os colhões, eu rio-me para ela e digo no gozo, pas ici melanie, a gaja ri-se que nem uma tonta, e depois eu disse-lhe que se ela quisesse eu levava-a a uma  boite, e ela riu-se, vestiu um vestido cor-de-rosa, pôs uns saltos altos amarelos e fomos curtir toda a noite, a beber shots de vodka misturada com tudo o que se possa imaginar, e acabámos a foder no meu carro, tivemos que experimentar uns quatro preservativos antes de conseguirmos dar a queca, estávamos com uma bebedeira do caralho, o que valeu é que os broches belgas estão no topo da ranking, isso garanto-vos eu.
Nunca, mas nunca mais, dizer sim aos pedidos do Matraca, anda lá a casa só dar uma ajudinha a pintar o quarto da miúda, e depois é deslocar móveis, encaixotar bonecos e pintar sozinho o tecto daquela merda porque o Matraca tem problemas nas costas e o genro dele é baixinho e eu fodo-me sempre com estas merdas. ainda por cima, a meio da manhã a senhora do Matraca tem que ir trabalhar para a loja da irmã, faltou a miúda que fazia o controlo da caixa e o almoço foi atrás, comidinha o caralho, não havia nada nem para palitar um dente, Vai ali à  tasca do Seboso que o gajo tem uns petiscos porreiros, disse-me o Matraca quando já estava todo lampeirinho para ir tomar banho.
Então o cabrão vê-me naquele estado e põe-se-me a oferecer marisco, eu mandei-o para o caralho, o gajo riu-se e disse que também tinha testículos de boi, que o melhor era trazer um prato disso para eu os lamber. eu passei-me e apesar da dor nos cornos (dos copos) mandei-me para cima do balcão a ver se lhe acertava com os dedos naqueles olhos de cabrão e o gajo desviou-se que foi uma beleza, eu fiquei pendurado meio do lado de cá meio do lado de lá, o gajo espetou-me uma biqueira no nariz, foi cana para um lado óculos para o outro, o filho da puta do Seboso tinha sido jogador de futebol, quando era miúdo até marcou um golo na primeira categoria do Belenenses e depois andou por aí pelo Unidos, Cascalheira, Frielas, Musgueira, a ganhar taças de melhor marcador e diplomas de mau comportamento. Nem me lembro bem de como saí dali de dentro, só sei que quando acordei tinha o Matraca a olhar para o penso que me tapava mais de metade da cara e a dizer, ganda maluco que tu me saíste, e entretanto aparece a cara da Melanie por detrás do ombro esquerdo dele, a rir-se que nem uma tonta e a dizer-me, pas ici Joaquim.

domingo, setembro 14, 2003

Lamento de um adolescente aos peixes

porque ninguém percebe que a sazonalidade dos namoros adolescentes está directamente ligada à intervenção do sol na capacidade de raciocínio das miúdas. é verdade. o sol afecta-lhes o pensamento. é vê-las por aí, o ano inteiro, a passearem os livros de um lado para o outro, a dizer que têm que ir à biblioteca, e que lhes apetece ir ver um filme francês (só porque as estúpidas das irmãs mais velhas gostam de cinema europeu), e que o futebol é coisa de gente burra, e que lhes faz falta ler mais um livro de não sei quê porque um dia vão entrar na universidade e querem já saber tudo de muita coisa. é vê-las aí, o ano inteiro, e nós a penar...
Em compensação, no verão, o caso muda de figura. Não sei se é por acabar o campeonato e o benfica continuar a não ser campeão, mas os nossos desportos passam a ser os favoritos delas. O vólei de praia, o surf. é vê-las a largar os livros debaixo das toalhas e virem a correr para nos admirarem. nesta altura ninguém se rala com o filme francês (viva o american pie!), nem com a ostensiva estupidez dos caloiros nas faculdades portuguesas. a biblioteca fecha para férias e quem estuda no verão é porque deve ter problemas de pele. nesta altura, toda a gente namora. e há uma única razão. exprimindo-se o sol nos corpos das miúdas, uma vaga de calor invade-lhes as várias camadas da pele, o que causa uma enorme confusão nessas mentes adolescentes. Habituadas a ler nas revistas (pequeno sumário: ragazza, bravo, super jovem, 100%cool, o diabo a quatro) que o amor se anuncia com um calor acentuado nas bochechas, vêm-lhes a ideia de que tudo o que é rapazito na praia é o amor das suas vidas. prático, não?
e assim se explica o drástico aumento da solidão adolescente-masculina com a chegada de setembro. meus amigos, as noites ficam frias e ameaça chover. já não há forma atmosférica de disfarçar a nossa falta de jeito para conquistadores destes corpos nunca antes almejados. resta-nos cortar as madeixas louras e começar a preparar os cadernos para a rentrée no liceu. vamos voltar a ficar sentados no jardim em frente à entrada da escola a vê-las babar pelos namorados delas que, entre outubro e maio, são todos universitários e têm todos carros muito giros. entretanto, estreia um filme qualquer italiano ou alemão, e já não há sessão de dvd nem pipocas que as convençam. o que nos salva é que, entretanto, começou o campeonato.

sábado, setembro 13, 2003

velho 1 (edit version)

eu não gosto muito de falar, não gosto mesmo, até porque, a maior parte das vezes, também não tenho muita coisa para dizer. por isso o mais normal é verem-me sentado naqueles banquinhos em frente ao café central, entre os carros que passam e a sombra que, ao início da tarde, pouco me toca, mas que depois me vai encobrindo todo da cabeça até aos pés, e lá para o final da tarde, sinto uma alegre frescura que se me estende pela pele toda. como não gosto muito de falar, a malta vai-se sentando ao meu lado, sem dizer grande coisa, só um boa tarde em tom calão, enquanto eu aceno a cabeça e fecho os olhos que trago escondidos atrás dos óculos.
como podem imaginar, a minha vida não é nada interessante. desde que a fábrica fechou, lá em baixo, na cidade, eu não saio muito daqui. ando entre o café central e a minha casa. as coisas já não são como eram. aqui havia muita animação. a malta saía toda para a cidade, de manhã, era uma confusão de carrinhas e autocarros... agora não... sobram uns velhos, como eu, aqui sentados neste banco. estamos a ver os carros a passar. um ou outro fala da bola. eu não falo muito. fico a ouvi-los. não tenho muito para dizer.
aqui o banco do café central é que é um sítio bom para o que gosto de fazer. posso ficar sentado e vejo quase tudo o que se passa na aldeia. as pessoas que chegam e partem, as conversas das vizinhas, as discussões dos namorados...eu não falo muito e pouca coisa acontece na minha vida. mas tenho muita curiosidade pela vida dos outros.não sei porquê, cada vez mais gosto de saber o que fazem os outros, o que pensam os outros, o que sentem os outros. não sei se é por não ter mais nada que fazer. mas meto-me na vida dos outros. isto dantes era tão animado. e eu não tenho nada para dizer.

quinta-feira, setembro 11, 2003

david da holanda

podes não acreditar, benedita, mas eu queria ser um daqueles homens antigos que vestiam casacos cheios de peles e usavam uns calções muito largos, com uns collants esquisitos a tornar-lhes as pernas mais magras do que já eram e com uns chapéus largos a tapar-lhes todo o crânio. gostava de poder andar por ruas sujas em cidades portuárias da Flandres e pensar em como o mundo é redondo e do outro lado é que existem todas as especiarias que nos fazem enriquecer aqui neste porto onde os barcos chegam cheios de futuras fortunas e um magote de homens com doenças venéreas.podes não acreditar, benedita, mas era isso que eu queria, era isso que eu queria.
provavelmente tens razão quando me dizes que as minhas pernas ficariam ridículas nuns collants e que me falta já o cabelo para amparar um daqueles chapéus. provavelmente tens razão que se eu me ocupasse tanto tempo a passear pelas ruas sujas de antuérpia me faltariam depois as horas para podermos ir ao café. tens razão quando me dizes que, neste estado de século, não haveria sequer os cafés onde pudéssemos parar a conversar. mas para mim é tudo muito maior do que isso. para mim é ter o mundo inteiro ainda por descobrir, poder encontrar uma razão para viver mais forte do que eu e não ter que receber informação de cada vez que me sento na sala a descansar. provavelmente tens razão, benedita, mas para mim era poder ser tudo muito mais intensamente do que desta maneira.
e por isso mesmo, benedita, me apanhas aqui a olhar para os livros de história que o meu pai guarda na biblioteca. sinto-me bem a folhear esta minha vida que ficou por acontecer. e mesmo quando me apercebo que me espreitas pela porta, benedita, quando te oiço dizer, anda david, mergulho um pouco mais nas páginas onde posso sentir que o mar me vem beijar a pele ultrapassando todos os tecidos que o van Hoogdallen me preparou tão carinhosamente por sermos amigos desde pequenos. e tu a ficares impaciente (mas será que a Benedita é mesmo assim impaciente?), e a começares a ficar com as bochechas da mesma cor dos teus cabelos (pintados?), e eu a levantar a cabeça, finalmente, com um postal de mim mesmo como eu seria se pudesse ter sido aquilo que eu queria a tapar-me a face.

terça-feira, setembro 09, 2003

presença de álvaro de campos

ele só dizia, come chocolates, menina, come chocolates, e eu a tentar fugir daquela presença que a cada momento crescia mais para mim, aquela presença inquietante, imponente, forte como um furacão que, primeiro, vemos lá ao longe, bonito-calmo-silencioso, momento em que só nos apercebemos de um perigo distante e que nos permite manter calmos. depois deixamos que a coisa se aproxime, sentimos curiosidade perante tal força e quando nos apercebemos, meus amigos, quando nos apercebemos, já parece que é tarde demais.
porque o que parecia ser só uma presença, às tantas, já é um olhar que se fixa, come chocolates, menina, come chocolates, fala-nos, diz-nos coisas, obriga-nos a ir para casa pensar no que nunca existiu e que provavelmente nunca virá a existir. estamos todos no mesmo barco, eu sei, mas há presenças que nos animam mais que outras. um gajo distrai-se, pisca o olho e sente que todo o chão que o sustenta se esvai pelo ralo da sala. afinal nada daquilo era o que parecia, estavamos todos dentro de um tanque gigante e, com aquela corrente, eu vejo-me à rasca para nadar.
isto só me distrai, isto só me distrai, penso insistentemente enquanto, come chocolates, menina, como chocolates, eu a olhar para a tela onde passa o filme e a abstrair-me, mas os chocolates eram da nestlé, não, não podiam ser, chocolates regina, os mais antigos são os chocolates regina, mas desde quando é que eles existem, sinto o turbilhão que se apodera de mim e sorrio, olho pelo canto do olho (mas pelo canto do olho eu não vejo nada, a miopia, a miopia), há uma qualquer tensão dentro de mim que eu não consigo resolver, mas sou só um puto, sou só um puto, sou só um puto, e eu não como chocolates.
procuro uma avenida onde ela não existe e acabo sempre por me perder nos meus sonhos, trago pessoas para eles que não se compõem na minha vida real, interesso-me sobretudo pelo que não conheço. tento descrever no meu pensamento as características das pessoas, mesmo que essas pessoas não sejam nada daquilo que previa na primeira impressão. come chocolates, menina, come chocolates, um velho mascarado de álvaro de campos a tocar xilofone nas escadas do metro e, lá ao fundo, as saias de uma jovem a levantar voo por causa da chegada do comboio à estação. se tudo fosse tão previsível como são os chocolates, meu amor, não teríamos hipótese de nos sentarmos à mesa do café, parados, só a observar.

domingo, setembro 07, 2003

o mistério da masturbação

tenho as mãos sobre as minhas ancas. estou sentado no sofá da sala e olho para a televisão. no relógio estão marcadas 2h 39m. passeio os dedos da mão esquerda para o comando da televisão, à  procura de qualquer coisa. a mão direita vai passeando para dentro dos calções. páro num canal pornográfico que incluí no pacote da tv cabo. tenho-os todos. o private, o sexy hot, o playboy.vejo uma mulher de aparência perfeitamente fora do normal a contorcer-se pendurada num pénis enorme. ela geme muito, muito alto. ele tem um ar esforçado, concentrado no seu trabalho. enfio a totalidade da minha mão direita dentro dos calções, sentindo o meu corpo que se desperta.
puxo o pénis para fora e começo a acariciá-lo. aperto-o e liberto-o muito devagar. olho fixamente a televisão, desfocando por vezes aquilo que vejo. não há um mí­nimo de prazer neste gesto. é só algo mecânico e repetitivo. puxo pelo meu sexo e vejo-o crescer. mudo constantemente de canal para encontrar a cena que me vai fazer expulsar o sémen que me incendeia os sentidos. não sei como a descrever, nem sei bem o que é que ela é. mas sei que, no decorrer da mecanização dos gestos, eu vou-me sentir aliviado.
o suor escorre-me pelas têmporas. os olhos fixam a penetraçãoo que ocupa todo o visor da minha televisão. sinto que o coração se acelera, que a voracidade da minha carne exalta profundamente o controlo da minha razão. esfrego-me, esfrego-me com ódio por tudo aquilo que sinto. não consigo sequer perceber o prazer que isto algum dia deve ter tido para me fazer agora repetir o gesto interminável e frenéticamente. sinto cada vez mais próxima a ejaculação. sinto o sémen a correr-me já pelo pénis acima. e quando me venho, quando encho as mãos daquele líquido cremoso e alvo, mudo de canal e odeio-me. odeio-me como nos odiamos quando nos viramos para o outro lado da cama e adormecemos.

sexta-feira, setembro 05, 2003

bonzinho

visto um casaco velho que encontrei no roupeiro onde tinha guardado as roupas do meu pai e saio à rua a pensar que certas manhãs, como a de hoje, estão destinadas a levar-nos de encontro a pessoas estranhas. Não, não é o facto de tu seres um parente distante de uma amiga afastada que me apareceu anteontem no café a dizer que havia alguém (neste caso, tu) que me queria muito conhecer, que me tinha visto na televisão e me tinha achado o máximo. agora que ponho os pés na calçada, penso que se eu me fosse encontrar com todas as pessoas que me viram na televisão estava bem tramado. mas tu és o tal parente afastado da amiga distante e isso, acho eu, confere-nos uma certa proximidade.
combinei encontrar-me contigo naquele jardinzinho do cesário verde perto da estefânia. por lá estarei seguro. tem sempre um monte de pássaros para nos cagarem em cima, coisa que me faria dizer-te que o melhor era voltar para casa para limpar o casaco. depois também tem imenso transito ali perto, o que me confere uma certa notabilidade, eu sou o gajo que aparece na televisão e vai-nos ser impossível ter uma conversa sossegada. não sei porquê mas faz-me imensa confusão ter conversas sossegadas com pessoas que não conheço. estou numa fase em que me apetece passar largas horas fechado em casa, a admirar a solidão. ando com medo de ser reconhecido pelas porteiras todas da minha rua.
hesito entre ir a pé ou apanhar o autocarro. puxo os óculos escuros para cima do nariz (tinha-os na cabeça, a prender o cabelo) e vou andando em direcção à paragem. enquanto me aproximo vou estudando mentalmente a descrição que ela (achas possível que não me lembre do nome da gaja?) me fez de ti. alto, com cabelos castanhos bem despenteados, corpinho de ginásio e sempre vestido com calças de ganga muito coçadas e casacos claros. na paragem do autocarro está a filha da madrinha da minha irmã e eu aceno-lhe. decido ir a pé, não me apetece conversar com ninguém. enquanto te tento imaginar vem-me à ideia de que, pela tua descrição, eu devia imediantamente ter recusado o convite. podia sempre ter dito que já tinha combinado um encontro com outro gajo qualquer da televisão ou com uma daquelas gajas dos desfiles de moda. ficava-me bem e tu não levarias a mal.
tenho medo de estar a ser bonzinho. demasiado bonzinho para as pessoas que não conheço. e eu não gosto de ser nada que acabe com um diminutivo. gosto que as pessoas olhem para mim e tenham medo. que pelo menos fiquem na dúvida do que eu sou. à porta de uma tasca, já muito perto do tal jardim, um velho visivelmente com os copos grita-me, ó piu-piu da tvi, anda cá falar comigo. não sei porquê, páro a olhar para ele. tem a cara do meu avô, o sacana. anda cá, anda cá, grita ele. penso nas tuas calças coçadas e nos teus casacos claros. tenho mesmo muito medo de estar a ser bonzinho. entro na tasca e peço duas taças de branco.

quinta-feira, setembro 04, 2003

pássaro

quando eu olho para aquele pássaro morto, lembro-me sempre de ti, abraçada a mim, com o teu olhar mortiço e distante, de quem não tem nada para dizer. sim, és linda. mas acabas-me sempre por frustrar com a tua ausência de espírito. eu digo, beija-me, abraça-me, come-me. e tu, sempre igual, só fazes o que eu mando. não fazes nada que eu não diga para fazeres. e abraças-te a mim, com o teu olhar de quem já não está ali.
depois, eu sei, vais-te queixar de que eu sou um bruto, um insensível, um tarado. só porque te dou umas palmadas no rabo quando te fodo. só porque te peço para vestires roupas muito justas. quando te digo que era giro brincarmos aquele jogo que vimos na revistas, a história da encenação do enforcamento. estás sempre a incriminar-me de queres fazer algo completamente nojento. és uma púdica. e eu zango-me. e tu abraças-te a mim, com o olhos fechados.
e vem-me sempre à ideia aquele dia em que nos conhecemos. o dia em que te sentaste na mesa do café onde eu estava com o Dário. eras uma amiga dele do curso de não sei o quê. linda. fabulosa. e estranhamente curiosa acerca de mim. acerca das minhas manias de pintor.ai, um artista, que giro. e quando me incrimas de tudo e mais alguma coisa na nossa relação, eu sei que não percebeste nada da minha resposta. da resposta que eu te dei quando me perguntaste, qual a loucura que serias incapaz de fazer, e eu te respondi, eventualmente, a ternura.

terça-feira, setembro 02, 2003

[amo-te]

sento-me perto da janela, a olhar para o céu que hoje está inquietantemente azul. estou muito enconstado à parede. vejo que pássaros cruzam o topo do prédio de vários em vários minutos. tento ouvi-los. nem um som. o teu corpo continua sobre a cama. não sei o que fazer. acordei num dos cantos do quarto, encolhido, envolto de sangue e suor. cheiras mal, cada vez pior. deixo que o sol entre pelo quarto dentro, pretendo secar todo o sangue que ficou espalhado pelos lençóis, pelos móveis, pelo chão. como tinha o cabelo todo pastoso, decidi pegar na máquina e rapar partes do meu crânio. agora parece que transporto um simulacro de montes e vales em cima de mim. encontrei uma caixa com pinturas dentro da tua mala. pintei os olhos com um lápis preto, cobri as pontas dos dedos com verniz e risquei o meu peito com o que restou do teu batôn. fiz uns riscos assim como se fosse um guerreiro. sentei-me, então, perto da janela. a olhar para o céu. espero que alguém nos procure. nós íamos sempre ao café de manhã, antes de seguirmos cada um para o nosso emprego. de certeza que o senhor do café, o senhor não me lembro o nome, sentiu a nossa falta. um café, uma meia de leite e duas torradas para o casalinho. ele diz isso todos os dias. hoje talvez não o tenha dito. mas não vai ser ele que virá à nossa procura. pensará que estamos de férias. eu nunca lhe dirijo a palavra. é perfeitamente normal pensar que estamos de férias. e depois vai dizer àquela vaca que se senta sempre na mesa ao lado da porta que nós fomos de férias. e ela vai dizer que não. pois se eles têm o carro na garagem. mas nós podíamos ter ido com amigos ou de avião ou doutra maneira qualquer, sua puta! mas não. se assim fosse eu tinha-os visto. eu estou sempre à janela, vais estar tu a dizer ao gajo do café. e depois alguém nos virá tocar à porta e eu vou estar sentado junto à janela a olhar para o céu. alguém vai dar pela nossa falta. na escola, no emprego, alguém. alguém vai telefonar, tocar à porta. e eu sentado, sem atender. ninguém. alguém vai passar pelo café. se nos viram? talvez estejam de férias, mas a senhora, não, a puta da vaca que se senta na mesa ali da frente diz que não os viu sair de casa. e depois vai ser o teu cheiro. cheira mal que não se pode. deixaram o frígorífico a descongelar, de certeza. têm a carne toda a apodrecer. a carninha toda estragada, coitados. um dia ou dois para encontrarem alguém que nos conheça bem. alguém que se importe connosco. alguém que talvez abra a porta. têm a carne toda a apodrecer. pois temos.

segunda-feira, setembro 01, 2003

amo-te

cheiro-te as carnes despojadas sobre a cama. estou no canto escuro do quarto, com o olhar afiado e o corpo encolhido. movimento-me bruscamente, com gestos exagerados, para me deslocar no quarto.ecoa uma música electrónica, excêntrica, num volume demasiado alto para ser sequer perceptível.coloco um foco de luz a incidir na tua cara. tão pálida, angelical...que tu eras. agora tens só esses enormes olhos esbugalhados, tão abertos de medo para mim. sim, ainda estás viva. recortei-te a pele com o meu bisturi, o sangue escorre lentamente pela cordas com que te prendi à cama. as noites de amor são tão lindas, não são? (encolho os ombros e dou uma gargalhada teatral)
caminho sobre o teu corpo ensaguentado. o meu peso certamente magoa os teus tecidos musculares, agora entreabertos. dou saltos sobre os teus braços, apercebendo-me das pequenas fracturas que te origino, primeiro nas articulações, depois no antebraço. tentas exorcizar a dor que te faço sentir. mas já não te restam forças para movimentar nada em ti. nem o olhar. as órbitas saltam-me para a face. sim, escorro suor, suor que se mistura com o teu sangue pelas minhas pernas, tronco, braços. aperto-te o pescoço enquanto te mordo o mamilo direito. acho que morres no exacto momento em que começo a mastigar o pedaço de carne que te arranquei.
velo, por alguns segundos, a tua memória. chegou agora a hora de te amar, amar-te eterna, profundamente. acaricio o meu pénis latente, envolvo-o com o teu sangue. quando o apercebo perfeitamente erecto, separo as tuas pernas já sem vida. é neste momento que a tua vagina está mais propícia à penetração. acabada de morrer, o último sangue corre dentro das tuas veias. exalas o perfume doce de quem é totalmente minha.penetro-te com moderação. sempre fui um homem sensível, atento. sorrio-te quando aumento a cadência da penetração. pego o bisturi de novo em minhas mãos e rasgo-te a boca, invento-te um sorriso.penso no quanto és linda, meu amor. e ejaculo-te de vida.