era depois da morte, alexandra, quando nos voltassemos para trás a olhar o mar de espinho e nos subisse à cabeça aquele vento forte que derrota os homens do campo desde "os pescadores" do Raúl Brandão. eu ia andar com os olhos postos nos pés e tu ias andar com os pés prontos a voar. haveria, algures, uma laranjeira onde passar as mãos e um cão a correr por todas as histórias. haveria um bilhete para o comboio na minha mesa e um bilhete para o comboio na tua. e tu ias responder-me às minhas palavras sempre com um deixa-te de mariquices.
era depois da morte, depois de termos crescido muito e mirrado outro tanto, depois de nos termos perdido nas mãos um do outro e de nos termos reencontrado algumas dezenas de vezes. são assim as pessoas sozinhas, haveriam de dizer, e eu aparecia a chorar. tu ficavas calada, debaixo do lençol da cama, a dizer as coisas tão baixo que só tu as ouvias. era depois da morte e depois da sessão de cinema antigo aos sábados à tarde. depois de toda a infância que sempre reivindicamos para hoje, para um dia feliz.
era depois da morte, era, seguramente, depois da morte, da tua, alexandra, da minha e de outros tantos como nós, depois de livros que vão aparecer e desaparecer e de prateleiras que ganharão alguém para lhes limpar o pó mas ninguém para lhes acariciar os livros. era depois do mar e depois da terra, depois de todas as viagens. eu a conduzir, concentrado no horizonte, e tu com a cara fora da janela, a provares o vento nos teus cabelos despenteados. era depois da morte, alexandra.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
sábado, maio 07, 2005
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Arquivo do blogue
-
▼
2005
(461)
-
▼
maio
(68)
- filme francês
- casalinho
- eu não sei como é
- Um editorial recusado que se salvou do lixo
- férias de mim
- trata-me por senhor
- de repente, eu
- os poemas estão escritos em francês
- talvez uma crónica de domingo
- oriente-se a oriente
- para saberes da minha verdade
- visionária
- a zanga do poeta que tem razão
- encontro
- voz
- triste américa
- surdez
- cama
- copos
- guilhotina
- gesso
- remistura
- pensamento da noite
- 00:00
- frases
- lisboa
- previsão do tempo
- anotações sobre o real dos meus olhos
- rinite alérgica
- ofício de escrita
- no começo era o verbo
- fala comigo
- a pior parte de um coração partido
- encontro virtual
- nava-lha
- teoria da repetição
- vou deixar de fazer perguntas retóricas
- a catorze de maio
- Carta a Inês de Castro
- a treze de maio
- [ a casa das mil portas ]
- quantas vezes
- marcas
- nórdico deprimido
- a aprender como se faz
- dedos
- asas cortadas voam melhor
- o espaço em volta
- a vida devia ser como no championship manager
- miopia
- ir dormir contente
- introdução a "auto-perfil"
- amor
- problemas de segurança
- era depois da morte
- balcão
- calor
- [o título que tu quiseres]
- da verdade e da mentira em L.F.C.
- exercício sobre a solidão
- simulação
- teoria da literatura - III
- de ganga...
- e um dia pensei
- wine
- escreve
- será que alguém me ouve?
- mesmo assim
-
▼
maio
(68)
2 comentários:
tristemente lindo.. *
ora...a morte nao existe
Catarina Taborda
Enviar um comentário