custa-me, custa-me a respirar. acordar de manhã com o barulho de um telemóvel que nos puxa para a rua quando a vontade é deixar-nos ficar a morrer devagarinho, morrer devagarinho. mas como morrer quando toda esta inquietação, toda esta energia que se mete em constante contradição, como morrer quando a nossa cabeça tem mais pensamentos que cabelos, mais recordações do que ilusões, como morrer quando nada em nós está parado, excepto este corpo que mente para fora, o que não consegue impedir por dentro.
custa-me, custa-me a respirar. tenho tosse, tenho vontade de voar, tenho medo de ficar aqui para sempre com vontade de não ficar aqui para sempre, deixo-me ficar, sento-me no chão, algures em minha casa devia haver uma cadeira de baloiço e uma paisagem para observar, mas eu fecho-me, não permito que a luz me toque e o tempo fica assim a passar depressa, depressa, depressa, como se morrer fosse impossível, mas não houvesse também possibilidade de nos deixarmos ficar vivos. alguém pode vir espreitar, ora, está sempre assim, ele, mas é mentira. não percebem nada.
custa-me, custa-me a respirar. querem ligar-me à máquina mas eu recuso, recuso qualquer iniciativa para me normalizarem numa parede, me fazerem vomitar só o previsto e a horas marcadas. eu queria ser mais alto, que queria ser mais magro, eu queria ser mais moreno, eu queria ser mais qualquer coisa e, sobretudo, menos muita coisa daquilo que sou. mas não posso morrer, eu sei que não posso morrer. e então procuro um carro de fraco motor, que me leve devagarinho. eu sei, sou novo aqui, tenho que aprender. mas custa-me a respirar, sim, sim, custa-me a respirar e a aprender.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
segunda-feira, maio 30, 2005
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