abro uma garrafa de vinho e deixo-a sobre a mesa da sala a apanhar o cheiro que exala do incenso. são onze horas da noite, onze horas de uma noite por despertar. as formas do meu corpo misturam-se com a manta demasiado grande, o meu suor com o calor, o tempo das coisas pequenas com o tempo das coisas grandes. uma garrafa de vinho, a respirar. e eu a ouvir uma música muito estendida. tão estendida como eu, no meio da manta.
este vinho que escorrega pela minha língua como se fosse parte de mim e os meus olhos que se vão fechando devagarinho. foi mais um dia, foi só mais um dia. tudo passava lento, há tão pouco tempo atrás, e tudo passa muito, muito depressa mesmo, agora. este vinho que balança no copo que tenho nas mãos e os meus olhos fechados. podia não me aperceber de nada, mas sinto o movimento, esse ínfimo movimento de mim. eu que dantes só fugia e fugia, agora, continuo a fugir. com muito mais calma e sobriedade, só isso.
a garrafa faz um barulho seco quando a poiso na mesa pela última vez, vazia. o meu corpo também faz um barulho seco, por dentro, talvez seja do vinho ao encontrar-se com alguma parte de mim mais sensível por dentro. um homem nunca pode estar certo, penso, enquanto a manta e os olhos se fecham. devagarinho. um homem nunca pode estar certo, como nunca está certa uma mulher. penso. o copo faz um barulho seco quando o poiso na mesa, pela última vez. vazio.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
segunda-feira, maio 02, 2005
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1 comentário:
e este vinho é doce..;)
gostei da sucessão de imagens..*
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