não te vou dizer agora do mar, nem das chuvas, nem dos peixes que saltam mar fora, não. o que eu te digo é que estou cheio de azul, um azul deste prata, tamanho de globo em enxurrada, maré cheia sempre. não tenho medo, aqui. só um pouco aquela magia desastrada de estar afastado, de estar longe. sozinho não: os poucos homens que gastam aqui os dias a deixar crescer a barba juntam-se como irmãos, criam pequenas amizades que não quebram, pelo menos enquanto estivermos sobre chão instável.
não te vou dizer agora da lua, dos pássaros migrantes, das luzes de que não nos apercebemos. era uma sugestão de forma de sereia, aquela que terias para me dar em resposta e eu sou dos poucos que não lhes ouve os cantos, encantos. um marinheiro tem uma escrita muito mais simples do que a minha. pega desajeitado na caneta, sabendo de antemão qual o balanço do barco, e resiste, de igual forma masculina, quer aos vómitos quer às lágrimas.eu não sou assim, e assusto-me a cada onda, a cada grasnar.
não te vou dizer agora do amor, do sentar, das marés. não te vou dizer da saudade, da solidão, da esperança. sabes que o meu emprego é fugir, de verdade te digo que me assusta menos o mar do que a terra. aprendo a viver minuto a minuto, não, nem isso, aprendo a viver balanço a balanço, porque aqui os minutos não interessam, nunca se vai a lado nenhum com o relógio, tudo se vê pelo céu e pelas estrelas. não te vou dizer nada a mais do que aquilo que estas palavras têm para te dar. e o que isso é, nem eu sei bem.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
terça-feira, agosto 30, 2005
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1 comentário:
Belo como o embalar das ondas do mar...
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