eu baixo a cabeça, baixo a cabeça e sinto o pó da alcatifa a subir, por dentro do meu nariz, até aos olhos. agora, vejo embaciado.
era de manhã, era de manhã, parecia, ao ouvir-se o barulho dos homens da construcção lá fora, era de manhã, e não havia mais ninguém dentro da casa para me dizer bom dia. o meu corpo, o meu corpo enlutado e lento, com a pele a revirar-se, tal como os olhos, no ainda escuro do quarto e, de manhã, tenho agora a certeza ou nem tanta, mas o barulho, era de manhã, sim, só podia ser de manhã.
eu baixo a cabeça, baixo ainda mais a cabeça, sinto o pó, sinto, e ao abrir os olhos, ao abrir os meus olhos estéreis, embaciado, está tudo embaciado.
eu chamava, chamava, era de manhã e não havia mais ninguém em casa, a cama vazia, a cozinha vazia, o sofá vazio, eu chamava, chamava, na casa-de-banho a água a lutar contra os canos, abro a torneira e sai vermelha, cor de terra, cor de sujidade, de toda a sujidade que este verão trás à minha cabeça, era de manhã, estou certo, e mais ninguém em casa, mais ninguém para me ouvir, a não ser.
eu baixo a cabeça, a cabeça, a cabeça, e parece que vou cair no momento a seguir, no momento em que olho e o que vejo é nada.
foram-se as fronteiras entre as coisas, minha querida, é isso que eu tenho para dizer quando o sol bate forte nas janelas e é de manhã, era de manhã, agora quase meio do dia, a casa sempre vazia, a cama mais vazia do que a casa, ainda que eu esteja lá, esteja lá eu e todos os meus fantasmas, em alegre comunhão com o vício, a casa vazia, e eu chamava, chamava.
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quarta-feira, agosto 03, 2005
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