há tipos capazes de ficar contentes só por conseguir andar sempre a direito no deserto. eu acordo e espreguiço-me debaixo dos lençóis. de volta ao aquário penso que ninguém me vê do lado de fora, mas, de tempos a tempos, um dedo grande encosta-se ao vidro e faz tak tak. a água toda estremece, como num maremoto, alguma até parece ameaçar cair para fora.
abro a porta. as moscas invadem todo o espaço, esteja ela aberta ou fechada. alguns tipos parecem sorrir, a colocar um pé sempre atrás do outro, a levantar o chapéu às horas certas, a ajeitar a gravata mesmo quando o calor é insuportável. do outro lado do mundo, lê-se no jornal, há muita gente triste, fechada em casa. tão bem fechada que daqui nem se vê. conheces o teu vizinho do lado?
uma mulher varre a calçada numa dedicação deprimente, a esta hora do dia. da farda municipal, só guardou as calças. veste um top branco que lhe realça os braços magros e os seios desejantes. só na cara se percebe por quantas guerras já andou. ela não sorri, ela não, ao contrário dos tipos que lhe passam ao lado e lhe cheiram as carnes. os pés muito certinhos, sempre, no deserto.
de vez em quando telefonam-me para me lembrar que estou louco. números privados, vozes amigas de tão ouvidas. amigas não, próximas, reconhecíveis. de lá, do deserto, as gravatas a apertar o pescoço, as gravatas sorridentes. de vez em quando lembram-me que eu sou louco. sorridentes, de pés muito bem arrumados, uns atrás dos outros. o meu corpo a boiar, dentro do aquário.
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terça-feira, agosto 02, 2005
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