podes-te sentar, podes sempre te sentar aqui na nossa mesa, não estamos a falar de nada de especial, só umas conversas de quem escreve e de quem não, de quem lê e de quem não, falamos de livros no escuro do bar, bebemos cervejas, podes-te sentar, sim, senta-te aí.
tinhas queixas da tua irmã, do teu pai, da tua mãe. dizes que não tens família e depois dizes palavras como mãe. palavras como irmã. dizes que não tens família e a tua irmã doi-te mais do que facas que te cortam os pulsos nos teus sonhos. nos teus sonhos.
senta-te, senta-te. os nossos hálitos são de cerveja e a tua pele é tão clara. falamos de mulheres, de mamas, de camas. falamos de homens, de tristezas, de inconveniências. tu sorris. desde muito nova que te sentes bem na nossa mesa, aqui, sentada. hoje ainda és tão jovem que me faz pensar que quando te começaste a sentar na nossa mesa não terias mais que quinze anos.
quinze anos e nós sentados no sofá da tua sala a ver o gilbert grape, quinze anos e num outro sofá, numa outra casa, a tua cara no meu colo, cheia de lágrimas, a contar-me segredos que talvez nem te lembres já que me contaste. quinze anos e eu a beijar-te nas férias de natal. tu a fugires a correr.
senta-te, afinal sempre estivemos aqui. não é sequer bom quando nos juntamos. é pegar numa ponta da história que ficou rascunhada lá para trás. dizes que não tens familia e casarias-te connosco, se pudesses casar com todos ao mesmo tempo. fazes as vontades a toda a gente como gostarias que toda a gente te fizesse as vontades. não és mimada. apenas querias dizer família e ela existir. a tua.
eras muito nova ainda e nós tratavamos-te como igual. como igual ou como nós pensavamos saber, quando também ainda éramos novos e não percebiamos nada do assunto. agora senta-te, senta-te aí connosco. falamos do que houver para falar e quando alguém nos vier dizer que o bar fechou, fechamos. sempre gostamos de ficar até ao fim do filme.
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domingo, julho 03, 2005
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