uma semana, uma semana só e trocar todos os fios das ligações, das conexões feitas.
podia não entender nada do que se passa à minha volta, podia estar frio, podia chover, podia haver pessoas que me dissessem quatro palavras estendidas pela noite, podia ser de ferro, o limão, a pele enegrecida pelos fumos, os pés, os meus pés, estalados.
uma semana só e isto. acordo e fico na cama a pensar. isto.
faço todo o tipo de perguntas que me possam vir à cabeça nos minutos que se seguem ao descalabro. depois do descalabro, os minutos que se seguem ao acordar. depois disso, todas as coisas. podia não entender nada, ficar a olhar pela janela, saliva a escorregar-me pela boca. podia ter uma mão que me alimentasse, a mesma mão que me castigava.
(e depois, no meio da história, o telefone toca, toca mesmo, e há pessoas que reclamam pagamentos, dívidas, dinheiros, papéis, pessoas que eu conheço, pessoas que eu nunca vi passar na rua, pessoas que são gravações, multinacionais, encarregados, bisturis, no meio da história, o telefone mesmo que toca.)
eu fico sem saber o que responder. ouve-se tão mal. uma semana e isto, uma semana só.
talvez se eu usasse uma fita métrica, um pano, um mapa, uma inglória sublimação do eu, talvez se eu usasse o mundo para explicar o próprio mundo, se eu correspondesse aos compromissos, se eu me alertasse para os perigos, se eu cerrasse os dentes com tal forma que eles se desfizessem uns nos outros, se eu ouvisse quando eu falo comigo mesmo.
tiro notas à parte. estas letras deviam estar escritas a lápis, na margem da folha. é assim que devem ser lidas. como notas. eu agora lembrei-me de que me podia queixar a alguém. fazer voz e papel de fraco, dizer umas quantas coisas chorosas a um ouvido, sentir a incompreensão dos justos e a mão quente de quem gosta de mim. tiro notas à parte e fecho o caderno. depois levanto-me da mesa e esqueço-me do que pensei.
uma semana. uma semana. uma semana.
não me permito as lágrimas mas também não consigo o sorriso. os braços, as mãos tremem. fragilizo-me de noite, é isso. reoriento-me nas minhas atitudes destrutivas. não tenho jeito, como a pessoa do telefone não tinha jeito, para pedir seja o que fôr. continuo a dizer que me aguento muito bem sozinho. é isso que os outros têm que ouvir.
faz-te homem, faz-te homem.
e algumas pessoas ainda me olham quando passam na rua. e algumas séries de olhares ainda são seguidos de um pequeno sorriso. e as pessoas não sabem as moradas quando lhes perguntam. e as raparigas gostavam que o tempo estivesse mais quente, para usar menos roupa, talvez. e eu podia escrever alguma coisa que se percebesse. e eu podia dizer-te, agora, assim, dá-me todas as coisas do tamanho do mundo.
tu ias encolher os ombros, acenar negativamente com a cabeça, fazer aquela cara de quem não ouve bem e está contente com isso. porque há tantas coisas que é preferível não ouvir. apesar de guardares para ti a necessidade de estar sempre alerta e consciente de tudo. e de teres feito assim o desenho do mundo para te defenderes dos bárbaros quando estes se aproximam de ti. quando espreitas pela janela não vês o mar. é um desenho.
faz-te homem, faz-te homem, a ecoar dentro da minha cabeça.
eu, a meio da noite, na cozinha, à procura da faca com lâmina mais afiada, a faca que eu uso para fazer saladas, para cortas o tomate em rodelas finas, antes de espalhar um pouco de azeite e vinagre, antes de deixar cair uma pitada de sal, uma pitada de sal sobre a minha ferida aberta. cerro os dentes e os olhos. estou distraído, uma vez mais. os pulsos de onde sai o sangue ardem em lume brando. procuro um saco de batatas fritas para o acompanhamento.
sempre a ecoar dentro da minha cabeça todas as pontas das coisas que me acontecem. é isto que os homens são, tectos falsos. tectos falsos de onde saem fios desordenados, fios que nem o melhor electricista saberia onde ligar.
(onde está o número de telefone da minha psicóloga quando eu preciso dele? depois faço contas: as compras, o telefone, uns quantos cafés por dia, almoços, mesmo que a preços baratos, nos dias em que saio tarde do escritório. depois penso, não vale a pena, iria lá para chorar, posso bem chorar em casa. depois penso, mando-lhe uma mensagem e peço-lhe o e-mail. depois penso, toda a gente tem que ganhar a vida. até eu. não sou capaz de maltratar quem me rodeia. prefiro acabar eu maltratado. assim como assim, estou habituado, sei como se faz.)
continuo a tirar notas a lápis e a guardar nos bolsos papéis que não imagino que utilidade possam ter no futuro. sei que ao fim de uns quantos dias todos os papéis acabam por ir para o lixo. penso na minha sala e é isso que eu vejo. uma série de papéis que acabarão por ir para o lixo.
lixo. faz-te homem. lixo. não vales o mínimo. lixo. paga o que deves. lixo. lixo. lixo. lixo. lixo. não saber quando se deve parar.
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quinta-feira, julho 28, 2005
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