Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

quinta-feira, junho 16, 2005

estamos bem servidos de solidão

1.no dia em que nos vimos pela primeira vez, eu estava tão sozinho que não teria sido capaz de me aperceber de ti como companhia. era uma noite como as outras, daquelas que acontecem uma vez por ano. tu estavas com as tuas amigas e eu estava entre desconhecidos. não me parece possível encontrar qualquer tipo de salvação no que não se conhece.

2.nesse dia, eu tinha decidido que não poderia haver rapariga bonita que se interessasse por mim. a maior parte do tempo sinto-me até mais confortável a olhar para as pessoas como, alguém que gosta de kundera, alguém que gosta de sophia, do que a ver alguém bonito. o que é bonito não é do meu mundo.

3.nesse dia, eu tinha decidido que estaria muito melhor sozinho do que com pessoas que eu conhecesse. ainda hoje penso assim. prefiro estar com quem eu não conheço. ao mesmo tempo, preciso de estar em lugares onde me reconheço. é difícil perceber isto? muitas vezes não sei como explicar. nesse dia confirmei que estou muito melhor sozinho.

4.é que tu não sabes e agora eu vou-te contar. nessa noite eu estava demasiado ocupado com o vinho tinto e com a solidão. soube-me bem estar à lareira a falar de livros e palavras e depois soube-me bem andar a noite toda pela rua, a entrar e a sair de bares e discotecas, a acabar de manhã adormecido na paragem de autocarro. como tu bem compreenderás, não me lembrei mais de ti. o que é bonito não é do meu mundo.

5.depois passaram-se dias suficientes para se fazerem semanas, meses, anos. tu sabias que eu não gosto dos poemas do peixoto mas não tinhas o meu número de telefone. que tipo de coisas me poderias dizer? passaram-se dias e eu sentado, em frente ao computador, a escrever histórias aos pedacinhos. tu lias-me, lembravas-te do que tinha dito sobre a sophia e isso bastava-te.

6.não se sabe nunca o que nos pode fazer entrar em contacto com alguém. eu já não sabia que tu existias e tu nem tinhas bem a certeza de me querer fazer lembrar isso. não se sabe nunca das nossas razões. tu apareceste e repetiste sempre que ler-me não tinha nada a ver com conhecer-me. eu posso dizer-te que tinhas razão e riscar tudo aquilo que escrevi até aqui.

7.uma coisa que tenho para te dizer, embora tu já saibas, é que não há limpeza possível que nos mantenha a casa arrumada. há-de sempre haver papéis, pó e armários nos lugares errados. há-de sempre haver fotografias antigas que nos comprometem. a memória é uma coisa suja, é o que eu tenho para te dizer.

8.agora estás preparada para deixares de gostar de mim. pões até a hipótese de seres tu a preparar os esquemas que façam a coisa correr mal (e olha, eu sei como isso é, eu fiz isso tantas vezes). pões-te a olhar para as coisas com os teus olhos cansados e foges para a província, em descanso. tu sabes e eu sei que não há fuga, levamo-nos sempre connosco.

9.um dia, como tu gostas de dizer, um dia, vamos tomar um café, olharmo-nos nos olhos, provar um ou outro silêncio comprometedor e da um abraço, talvez. um dia, como tu gostas de dizer, vamos falar baixinho ao ouvido um do outro e esperar que os nossos caminhos não fujam cada um para o seu lado. nesse dia, não me vou esquecer de ti.

1 comentário:

pi disse...

às vezes o silêncio pode ser constragedor. mas às vezes também não é preciso dizer nada.