agora, eu vejo. era de manhã, manhã ainda cedo. saí de casa, estava frio, estava mesmo muito frio. eu vejo. muito frio, o gelo sobre as coisas verdes e sobre as coisas castanhas. era de manhã, a noite toda de olhos abertos em cima da cama. nem um minuto de sono. nada. era há já muito tempo, o nunca dormir. agora eu vejo. nítido, cada vez mais. o não dormir nunca. há já tanto tempo. o eu não saber nada de mim, não saber nada do que se estava a passar.
eu vejo. a roupa, ainda o pijama, calças e camisolas por cima, o cabelo sujo, despenteado, a barba por fazer, mal feita, de manhã, os olhos rodeados de intensas olheiras, olhos olheiras, sim, assim sim, agora, eu vejo. os pés a deixarem barulhos pelo gelo, a descobrir-se as coisas verdes por baixo, amarelecidas, as coisas castanhas por baixo, água tão suja. agora eu vejo, eu vejo, sim, as coisas ficam nítidas para mim. onde eu ia, sem saber.
eu. perdido, perdido de mim e dos outros, pelos outros. agora, umas botas velhas, sujas, eu, agora. era de manhã, manhã muito cedo, ainda a luz do dia era de noite, sim, era de manhã, manhã escura, era, eu vejo. agora. perdido pelo quintal, sim, era um quintal. agora. uns sacos deixados quase ao acaso, os sacos, para as batatas. agora, eu vejo, como não pensava, como só pensava sempre tudo. agora. as mãos dentro do saco, amarelecidas. o intenso cheiro do enxofre. o intenso cheiro do enxofre. a cara. o poço. agora eu vejo. o poço. o intenso cheiro do enxofre. agora. vejo.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
quarta-feira, fevereiro 23, 2005
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