e um dia voltamos a entrar numa papelaria com um ar solene, a percorrer pequenos trilhos entre prateleiras cheias de coisas de todas as cores e feitios para, com a mão envelhecida e conhecedora, pegar no caderno com o ar mais simples e tosco de todo o estabelecimento, medi-lo bem com os olhos e as pontas dos dedos, bater com ele duas vezes na palma da mão aberta e seguir até à caixa.
e nesse dia olhamos em nossa volta e, na papelaria, existem pequenos seres muito pequeninos iguais a nós quando não éramos nem tão velhos, nem tão experientes, a pisar, com uma timidez reverencial, os mesmos trilhos entre prateleiras, com os olhos mais perdidos, enfim, por todas as coisas e não só pelas coisas simples, com os apetites distorcidos, enfim, por todas as pequenas guloseimas que se encontram numa papelaria, ou seja, olham os cadernos mas compram uma revista.
e por volta desse dia sentamo-nos numa mesa de um café a olhar para o infinito, a coçar os cabelos por debaixo de um chapéu esverdeado, a beber águas com gás e cafés, a medir o vento com as bochechas, a medir as pernas das meninas por detrás dos óculos, com o caderno e a caneta em cima da mesa, a pensar que pode sempre chegar alguém e sentar-se ao nosso lado, a olhar para as nossas mãos velhas e experientes, que já não escrevem poemas tristes de adolescência, escrevem simples poemas de amor.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
segunda-feira, abril 18, 2005
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