homens a sair à rua, a entrar na loja do chinês e a passearem de olhos bem abertos por entre cabides de roupa feminina de aspecto degradante. homens a dizerem de outros, é especialista em modas femininas. homens a entrar em retrosarias e a pedir fitinhas douradas, prateadas, coisas que ninguém acreditaria que fariam. homens a passear e a olhar para as coisas, como nunca olham para as coisas. já tens a mala? já tens o colar? isto não acontece em mais nenhuma altura do ano. e provavelmente, também não acontece em mais nenhuma cidade.
sim, sim, sim, só poderias ter nascido aqui, para estares com essa conversa, com essas invenções de rimas pobres e coisinhas idiotas, para teres essas ideias de loucas de vestir pouquíssima roupa com o frio que está, e depois, quereres cortar todo o teu cabelo e andar a passear pela rua a tua novidade, voltares a ser referido por um corte de cabelo, uns anos depois, mais uns anos adiante, só este gajo é que poderia fazer isto, é gajo para essa maluquice, é fixe, dizem, mas ninguém mete a máquina de barbear no crânio como tu.
são onze horas e ninguém vos conhece. estão fechados numa sala de uma casa de família, com saias e a cara pintada. há uma lata de cerveja aberta sobre a mesa e dois cigarros mal apagados no cinzeiro. vocês são pessoas respeitáveis pelo ano inteiro. hoje também, aqui, agora. porque se fosse depois, noutro lugar, bem, isso vocês também não aceitam, não é? porque tudo isto só faz sentido quando faz sentido. cinco dias por ano. cinco míseros dias por ano. e um deles, é para morrer.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
terça-feira, fevereiro 17, 2004
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