Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

quinta-feira, março 10, 2005

22:45

a partir das vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos vamos todos começar a falar francês, anunciava um carro com altifalantes esta tarde, pelas ruas de Lisboa. era um carro com um aspecto envelhecido, com dois tipos de barba rala dentro, de janelas abertas e a fumar cigarros baratos. repetiam a mesma frase a cada cem metros percorridos. com o trânsito habitual da cidade, as pessoas eram obrigadas a ouvir a mensagem mais vezes do que poderiam desejar. assim mesmo.

a partir das vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos, o que, pelo meu relógio, está prestes a acontecer. não consegui perceber bem se o que eles anunciavam era um passe de mágica, do tipo, agora falo português, agora falo francês, ou se tentavam dar uma ordem. de qualquer maneira, o efeito será o mesmo. presumindo que a esta hora estarão os dois em casa, a ultimar os preparativos, e que, consciente ou inconscientemente, começarão a falar francês à hora marcada, o objectivo deles será concretizado. para quaisquer dificuldades a entrar no esquema, recorrerão a canais franceses da tv cabo ou a um disco velho do serge gainsbourg.

a partir das vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos, está mesmo quase, faltam sete minutos, toda a gente a falar francês. pelo menos, toda a gente que aqueles dois do carro velho conhecem. pelo menos, eles os dois, numa das casas a cair do bairro alto, onde as salas estão sujas de cinza e têm uma bola de futebol a esvaziar a um canto. toda a gente. mais perto da meia-noite, tocará à campaínha uma amiga deles, uma menina de Lisboa, a convidá-los para irem a uma tasca beber uns copos. e eles vão perceber como é difícil pedir imperiais em francês.

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