se eu andar direito pela rua, pareço mais alto. quando as pessoas passam ao meu lado, posso ver-lhes os chapéus, como se sorrissem. eu tenho um chapéu também. mas o meu fica muitas vezes em casa, em cima de uma mesa onde guardo os meus medicamentos e um perfume que me deram por alturas do natal. o meu chapéu é castanho e gosta de apanhar de chuva. também gosta de me proteger do frio da noite. mas isso é quando as noites são frias. ou quando eu não tenho cabelo.
se eu andar direito pela rua, pareço mais velho. a minha avó, sentada à mesa da cozinha a chamar-me doutor. eu a comer batatas fritas de empreitada e com o olhar fixo na televisão. porque é que até em casa eu tenho que me armar em duro? armar-me assim em gajo frio e afastado. não fechar os olhos quando passam imagens violentas na televisão. dizer que fumei um charro em frente à família. sair de casa a prometer só voltar quando estiver completamente bêbedo. mas isso é quando eu, apesar de tudo, me sinto feliz. hoje não me sinto feliz.
se eu andar direito pela rua, se eu andar direito pela rua, bem, se eu andar direito pela rua chego mais cansado onde quero chegar. o problema é raramente saber onde quero chegar. a maior parte dos dias saio de casa sem saber bem onde vou. a minha avó a perguntar: hoje vens almoçar ou vais para lisboa? eu digo que vou para lisboa e fecho-me na casa de alguém, a fingir que existo. depois, quando volta a ser de noite, vou para casa e digo que estou cansado. mas isso é quando eu digo que vou para lisboa. hoje almoço em casa.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
domingo, março 14, 2004
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