a minha aldeia é o centro do mundo. visto o casaco do pai e saio à rua inventando histórias e saudando o sol. no centro da praça central, uma árvore cresce todos os dias cinco centímetros. debaixo dela, seis crianças inventam sóis e saudam as minhas histórias. visto o casaco do pai e faço-me de homem. tosso entre as frases para fingir a voz mais grave. uma vez, um homem que passava na viagem de autocarro, disse que na aldeia dele havia uma árvore igualzinha à da minha aldeia. eu acreditei. a minha aldeia é o subúrbio do mundo.
eu tenho dez dedos em cada pé, descendo do calcanhar em direcção à casa onde volto. tenho cinco estrelas penduradas nas abas do chapéu. tenho uma cara comprida como os homens pequenos das vilas que se encontram na linha do horizonte. eu tenho a noite dentro dos bolsos. a minha carteira foge de mim, como as crianças fogem dos carros. há um cão que faz xixi na parede da minha casa e uma casa que se encosta, com jeitos de carinho, ao meu peito feito parede. a minha aldeia tem um coração.
visto o casaco do pai e as meninas sorriem na minha direcção quando me sento à mesa do café. mando vir duas torradas, dois sumos, dois jornais e duas caixas de guardanapos. iludo assim a ilusão, o nome que as velhas dão à solidão. quando calço os sapatos penso sempre nas poças de chuva. gosto de lhes dar beijinhos com a sola. sigo o meu caminho a pensar que fiz bem a alguém. e rompo entre a multidão que se acerca de mim. na minha aldeia não existem multidões. isto sou só eu a ver os meus pensamentos.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
quinta-feira, março 11, 2004
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