e depois somos velhinhos e ficamos os dois a rir, disparates, agarrados ao lombo, sentados nos sofás, ai as minhas costas, ai o meu pescoço, somos velhinhos, eu estou careca e a ti já não te faltam os pés de galinha com reflexos verdes dos olhos, e rimos, disparates, como se ainda fosse possível pensar que temos vinte anos, mesmo depois de tudo aquilo que já fizemos e já deixamos de fazer, agarrados aos lombos, ai, ai, e depois.
e depois andamos a passear de carro a tarde inteira, sem nenhum sítio para parar, porque está a chover, porque está frio, porque não nos apetece, porque ali é feio, porque aqui não é bonito, e rimos, disparates, como dois náufragos perdidos, a tarde inteira, no carro faz frio como no inverno, e nós rimos, disparates, porque sabemos que não nos apetece ser de outra maneira, ou melhor, apetece-nos ser de todas as maneiras, e por isso vamos sendo, a tarde inteira, as tardes inteiras, a rir, disparates, e com as pontas dos dedos frios tocamos a ponta do nariz um do outro e depois.
e depois, porque nos apetece ficar em casa, porque não nos apetece explicar, porque não queremos que nos perguntem coisas, porque não queremos discutir, rimos, disparates, rimos como só riem as crianças, com as bocas muito abertas e os olhos sorridentes fechados, levantamos as pernas no ar e fazemos vento, na sala, no sofá, e acabamos outra vez agarrados às costas, ai, a rir, disparates, e as dores todas de já ter esta idade toda e continuar a ser tão tolos, como duas crianças, damos as mãos e depois.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
segunda-feira, março 29, 2004
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