eu sei lá que horas são, não me voltes a perguntar as horas, é o que eu te peço. não que eu não tenha relógio, mas prefiro mesmo estar calado, bem caladinho, sem dizer nada. chega-te para lá, não gosto de ti. não gosto que me abraces nem que te coles a mim. prefiro ficar assim um pouco distante, eu aqui e tu aí, assim, os dois separados. deixa que o ar passe entre nós. isso deixa-me sentir mais sossegado.
folheio este livro do fim para o princípio. sim, já lhe li as últimas frases. sim, já lhe sei as curvas. sim, já chorei para cima dele e támbém já lhe deixei cair em cima molho de caracóis. é um livro velho, gasto. digo-te mais, é um livro que não tem quase nada para dizer. eu folheio-o de trás para a frente. e mando-te calar. cala-te. mando-te ficar quieta. pára. mando em ti. mando em ti. mando em ti. e sim, podes pensar isso à vontade, mesmo que não o digas. há alguém que manda em mim, mesmo quando eu digo que não.
mais tarde ou mais cedo tu ficas quieta. mais tarde ou mais cedo tu ficas calada. e o tempo passa assim, sem ter bem para onde ir, mas sem qualquer razão para ficar. na rádio, oiço sempre as mesmas frases, sempre as mesmas músicas. deixámos de ver televisão, havia sempre um de nós que caía adormecido. e agora, quando saímos à rua, é sempre para não nos falarmos, para podermos olhar para algo que não nos faça lembrar um do outro. é simples. tão simples.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
sexta-feira, julho 16, 2004
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