faço um elenco de coisas que não posso dizer agora. procuro um papel e uma caneta e começo a escrever, no momento a seguir a ter-me sentado a olhar para o jardim pela janela. olha, lá fora há um monte de putos a correr pela relva e a saltar por cima dos escorregas e baloiços. gostava de lhes ouvir os gritinhos, agora que estou aqui parado. mas tudo o que eu oiço é o barulho dos automóveis a passar. começo a escrever mas, não sei porquê, risco cada palavra que me vem à ideia. primeiro não percebo o pânico, mas rapidamente tento elaborar uma tese que explique a coisa. talvez seja porque nunca nenhum dos meus papéis fique sem ser lido. tenho que tomar atenção aos meus biógrafos.
olho a minha letra no papel. gostava de te a poder mostrar. não te consigo explicar estas coisas pelo telefone. é como se o meu estado de espírito se alterasse momento a momento, não em pequenas nuances, mas de uma forma dramática e cruel. acho que é por isso que me é tão fácil chorar. ou não, fácil não é. mas é rápido, percebes? e acabo sempre por pensar que choro pelas razões erradas. depois, depois disso sinto-me cansado, quase morto. o meu corpo transforma-se num pequeno farrapo, deixo de ouvir, de conseguir de falar. deito-me e apago a luz. já não sou eu. sim, é dramático o choro. e o que me faz chorar com mais medo são os sorrisos.
olho de novo a janela, acho que vai chover. tenho três papéis amarrotados no colo e começo a sentir alguma fome. vejo pessoas a passear. penso que um dia gostaria de vestir uma daquelas camisas velhas, como as dos pescadores, prendê-las bem numas calças de tecido quente e sair à rua com uns sapatos de sola. depois ia pelas ruas de calçada, como se fizesse sapateado. nesse dia estaria especialmente penteado e levaria um chapéu com o qual iria cumprimentar todas as senhoras. e sei que nenhum homem ficaria sem uma palavra, um aceno, um aperto de mão.nesse dia, preocupar-me-ia só com as coisas acessórias, não levaria ao pensamento nada que me fosse essencial. descobri hoje, junto a esta janela, do que são feitos os fins-de-semana.
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domingo, maio 23, 2004
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