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quinta-feira, dezembro 25, 2003

dumelore

Telefonas-me como
Uma hora tardia para outra qualquer pessoa
Nada te fizesse mais sorrir
Do que acordar-me assim
Às horas desfeitas de sonhos e sonos
Margens esquerdas da cama
Onde saliva se aloja quente
E permanece pelo frio
Afinal é hoje de Inverno a noite.

Chegas-te a mim como
Se ainda fosse possível o abraço
Outros tantos braços por encontrar
Esteve aqui ontem não deixou recado
E tu de olhos abertos
A ver-me de olhos fechados
A nudez do teu beijo adormecido
E eu desistindo de tudo enfim
A noite de hoje é igual a outras.

Levanto-me do lugar o teatro
As luzes apagadas e na assistência
Mulheres de seios descobertos oferecem
Namorados de línguas excessivas
Procurando um sopro um gemido um ai
Que possa servir de mão para o vizinho da frente
Enfiada que está assim dentro das calças
Isto é tudo gente séria bem nos dizem
A sessão a seguir tinha sido melhor.

Telefonas-me como eu
Pudesse ser um pouco mais de um litro de água
Abandonado numa prateleira de um
Supermercados em promoções há tantos
Daqueles onde só vão os estrangeiros
E as pessoas que não têm dinheiro para
A meio da noite ramelas nos olhos
Fechados para não ver o escuro tenho medo
E tu lá longe onde quer que estejas
A casa da mãe ou do pai ou a casa
A dizeres suspiros de cinema
E que só queria dormir.

Afinal amanhã também é dia de trabalho
Diferem os nossos feriados e as nossas terapias
Tenho os dedos a contar comprimidos
Em cima da mesa uma fotografia que foi tua
E agora chegou pelo correio com um cartão
Adeus
Como se fosse possível tu dizeres adeus
Ao que nunca te deu ouvidos como
Outros tantos braços em volta de mim
Eu estou cheio de sono podes
Liga-me amanhã amanhã está cá gente.

Também em dias pensei escrever-te
Eu só estou em casa quando não tenho tempo
E vou-te agora dizer o quê
Que a chuva este ano vem mais tarde
E que há um sol por volta das quatro da tarde
Aquecendo-me as sobrancelhas sobre a chávena de chá
E que uma rapariga de olhos grandes me sorri
Enfiadas que estão as mãos nos bolsos
E eu tenho trinta dias para encontrar emprego
Mas o técnico sorri-me também
E nada afinal é importante.

Telefonas para quem o tempo onde
Eu sei que um dia seria melhor atender
Como eu atendo mas afinal não
Falar o quê esqueci as palavras e agora
Tenho as pernas esticadas sobre o colchão
No andar de cima chove em cima das cadeiras
E a televisão está avariada há tanto a antena
Não consigo sequer saber de mim
Procuro pelo mundo e diz-me chuva
O técnico sorri-me também
A antena.

Onde afinal tem início o poema
Que se está escrito alguém o esqueceu em cima da mesa
Como as cascas de fruta três dias
Os restos dos cereais uma semana
O bilhete de metro três horas
Quem esteve nesta casa antes dela ser
Outros braços tantos em minha volta
Telefonas-me como no cinema
Tenho sorte de estar assim gostarem de
E eu choro na noite vazia sem dizer a ninguém.

Como se contam as sílabas deste verso
A meio da noite silêncio dizes mãe
Não está lá ninguém para te ouvir mas no fim
Um filme holandês no terceiro andar
E um vizinho de trombas a fumar na janela
Eu sei que existem cães a passear pelos passeios
Desconheço a dança da chuva
Sequer a época delas agora que nós humanos
Asseados que estão nossos pensamentos
Limpeza afinal refrescante e séria
Seria melhor o silêncio mas
Quem nos diz a que horas chega ele.



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