deixa-me abrir as janelas para que o frio entre com violência. quero sentir o vento, o arrepio. quero até sentir a chuva se ela cair, e perceber os gritos dos pássaros que são arrastados pelas auto-estradas azuis. deixa-me abrir a janela e puxar a cadeira mesmo para a beira da janela. estender as pernas e colocá-las sobre o parapeito. sentir nos pés o gelo que ameaça cair este inverno. deixa-me congelar. congelar. congelar. fazer deste quarto um frigorífico. para me conservar. tenho que me conservar.
puxo os cabelos que deixei crescer pelos ombros. puxo-os e na minha face avermelhada escorregam lágrimas tensas.debaixo das unhas sai um ligeiro fio de sangue. arrancaram-mas. tinha-me arranhado todo quando as tentei deixar crescer. puxo os cabelos e as lágrimas. pelos ombros, feios e oleosos, sujos e cansados. os cabelos e as lágrimas, pasta de desespero pelo quarto. puxo os cabelos. não adianta vires, não adianta. não vale a pena dizer seja o que fôr. agora não. penduras-te nos meus braços, tentas evitar. puxo os cabelos, as lágrimas.
passeio de gatas para debaixo da cama. tocam telefones e campaínhas lá fora, oiço-as. pasta de desespero. oiço que nos chamam e tu não atendes, tu não atendes, eu sei, tens medo que me levem de ti. tens medo de perder o acesso ao meu sofrimento. oiço as campaínhas, os sinos. tocam o sino na velha igreja da aldeia da minha avó, eu sei, tu não atendes a nada. oiço, oiço. tu não. passeio de gatas. debaixo da cama.
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