Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

terça-feira, dezembro 28, 2004

urso

Escrevo. E o que escrevo parece-se com a minha ausência de tudo o que esteja ao alcance de filtros de existência. Gostaria de poder pensar em ti como uma pedra que se ausenta do caminho devido à imensa força do nosso frágil olhar. No entanto, sempre que me vejo perante essa dificuldade de classificar as coisas que não faço a mínima ideia onde arrumar, tenho vontade de me esconder dentro do armário grande do sótão onde, quando eu era mais me pequeno, me fechava para pensar em coisas simples. Penso em coisas simples como: chuva. Maçãs. Madrugada. E tenho a boca cheia de palavras que ouvia dizer na rua, por pessoas muito maiores que eu, pessoas que eu nunca conheci. Palavras como: labor. Arvoredo. Rimance. Núpcias.

Já me julgaram louco, eu sei, já me julgaram idiota, também, mas eu prefiro guardar para mim todas as coisas em que penso e que se me tornaram impronunciáveis. Não é nenhuma espécie de recusa do que os outros têm para me dar, pelo contrário, é uma extrema necessidade de receber, de me completar com aquilo que ainda desconheço. Volto atrás e sublinho ainda. Ainda. Espreito para dentro da minha camisa e percebo: tudo em mim aponta para um há-de vir, um futuro construído às amálgamas de massa disforme e bastarda. Queria patrocinar esta procura de, este caminhar para, com alguns milhares de abraços e beijos e olhares simpáticos cheios de força. Não. Tenho caras que se franzem. Pouco importa. Para mim, agora que estou decidido a ter esta cara de coisa nenhuma, pouco importa. Agora.

Porque eu conheço a noite escura onde tudo começa e eu sei que tudo tem um início mais ou menos ignorante, conjugado com um fim mais ou menos conhecido. Poucas sendo as pessoas que nos podem dizer algo de novo, muitas são aquelas que nos adivinham o fim. Não é mesmo nada difícil. Basta ir tentando. Um homem apaga a luz da sala no prédio em frente e eu sinto-o na minha consciência de estar sentado junto à janela. Olho, sobre a estrada, o estore a fechar-se. Não me apetece mais nenhum chá de limão, nem bolachinhas, nem beijinhos de boa noite. Trocava esta obra por ser por uma noite de sexo com alguém tão faminto de tudo quanto eu. Mas não me atrevo sequer a sair do quarto.

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