estou a arrumar as peças, as coisas, as roupas que deixei espalhadas pelo chão do quarto. tento fazê-lo o mais devagar possível, numa lentidão extremada e incongruente com tudo o que resta de mim. apanho as coisas e olho em volto, como que a procurar o lugar onde pertencem. há certas decisões na minha vida que me pesam, certas definições que imagino nunca vou conseguir encontrar. estou a arrumar as peças. esscrevo-te isso numa mensagem. estou a arrumar. mas não encontro o lugar das coisas. sento-me na cadeira. respiro.
espanta-me pensar na respiração. e também me põe nervoso, acho. é que mais tarde ou mais cedo vou deixar de pensar e depois fico com medo de deixar de respirar também. tudo isto vai originar uns minutos de pânico, entre a incerteza de estar a respirar e o nervosismo de me aproximar um pouco mais da morte. isso aí acaba por ser verdade, em cada momento que passa, em cada mais ligeiro momento, estou um pouco mais perto da morte. geralmente não penso nisso.
ponho-me em pé em cima da cama para tentar substituir a lâmpada que se fundiu. estico o meu corpo pequeno para esse gesto, mas a cama é demasiado baixa e o tecto demasiado alto. ajoelho-me e penso em alternativas. estou a respirar, a respirar cada vez mais perto da morte. e aqui às escuras, nem sei bem porque penso nisso. tenho o quarto desarrumado, com as coisas todas fora dos sítios onde pertencem. noto que cada coisa que penso ou faço pode ter sempre mais que um leitura. normalmente não penso na morte.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
sábado, janeiro 17, 2004
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