ponho-me, às vezes, a pensar, que tipo de coisas é que eu ando a fazer por este mundo. no meio de um livro que arrumado na minha estante e que agora retiro em busca de um poema ou de uma ideia, encontro cartas, cartas escritas como já ninguém me escreve, daquele tipo de cartas que eu também deixei de escrever. A carta que me chama a atenção data de 1998, e vem de alguém com quem eu já há algum tempo não tinha contacto a não ser um telefonema no sábado anterior. Não sei se a memória me trai, mas julgo que nesse sábado, passei a tarde a jogar computador. A certa altura, toca o telefone e alguém (ou a minha mãe ou o meu irmão) traz o telefone até ao andar de cima e entrega-mo dizendo, "é aquela tua amiga". lembro-me de ter ficado a falar com ela ao telefone durante algum tempo, primeiro meio envergonhado por não saber dela há tanto tempo, depois retomando a amizade que nos ligava, apesar de só conhecermos um do outro a letra e a voz via telefone. Esse telefonema foi interrompido pela hora de jantar, com um grito parental do andar de baixo.
o que eu estranhava nessas conversas, era a dose de intimidade que tão facilmente parecia eclodir de um mero encontro de ideias semelhantes. e é esse tipo de coisas que me continua a exaltar interiormente. na verdade, como é que eu posso ser tão fraco, tão frágil ao ponto de me sentir assim ligado às pessoas que ainda não se me mostraram? o que eu estranhava, e continuo a estranhar, é a minha facilidade em me entregar a alguém a quem não me estou a entregar minimamente. Não, não é para enganar, para trair a confiança dos outros. eu continuo a achar que é uma fraqueza minha. entrego-me para não perceberem que eu não me sei entregar. ao ler esta carta, agora que já passaram quase seis anos, apeteceu-me ir procurar o número de telefone dessa pessoa, dizer-lhe qualquer coisa, saber dela. apeteceu-me voltar a ouvir uma voz que eu não sei como é que sai de uns lábios que desconheço. apeteceu-me ir a correr dizer a essa pessoa, eu não fugi. eu nunca fujo. só para que ela pudesse pensar que isso é verdade.
espreguiço-me, entrecortado entre diferentes janelas do computador. estendo as mãos para a capa de um cd, e abro-a na página onde guarda a letra de uma música que me tem feito pensar. apetece-me transcreve-la. "não, ele não vai mais dobrar, pode até se acostumar, ele vai viver sozinho. é, desaprendeu a dividir, foi escolher o mal-me-quer, entre o amor de uma mulher e as certezas do caminho. ele não pôde se entregar e agora vai ter que pagar com o coração, olha lá, ele não é feliz, sempre diz, que é do tipo cara valente. Mas veja só, a gente sabe, esse humor é coisa de um rapaz que sem ter protecção, foi-se esconder atrás da cara de vilão. então não faz assim rapaz, não bote esse cartaz, a gente não cai não. Ele não é de nada, essa cara amarrada, é só um jeito de viver na pior. Ele não é de nada, essa cara amarrada, é só um jeito de viver nesse mundo de mágoa." isto veio da cabeça de um rapaz, brasileiro, chamado Marcelo Camelo, e está na voz da Maria Rita. a única coisa que consigo dizer depois disto é que não gosto nada de me fazer de coitadinho, portanto, não é por aí.
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sábado, janeiro 03, 2004
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