ele só dizia, come chocolates, menina, come chocolates, e eu a tentar fugir daquela presença que a cada momento crescia mais para mim, aquela presença inquietante, imponente, forte como um furacão que, primeiro, vemos lá ao longe, bonito-calmo-silencioso, momento em que só nos apercebemos de um perigo distante e que nos permite manter calmos. depois deixamos que a coisa se aproxime, sentimos curiosidade perante tal força e quando nos apercebemos, meus amigos, quando nos apercebemos, já parece que é tarde demais.
porque o que parecia ser só uma presença, às tantas, já é um olhar que se fixa, come chocolates, menina, come chocolates, fala-nos, diz-nos coisas, obriga-nos a ir para casa pensar no que nunca existiu e que provavelmente nunca virá a existir. estamos todos no mesmo barco, eu sei, mas há presenças que nos animam mais que outras. um gajo distrai-se, pisca o olho e sente que todo o chão que o sustenta se esvai pelo ralo da sala. afinal nada daquilo era o que parecia, estavamos todos dentro de um tanque gigante e, com aquela corrente, eu vejo-me à rasca para nadar.
isto só me distrai, isto só me distrai, penso insistentemente enquanto, come chocolates, menina, como chocolates, eu a olhar para a tela onde passa o filme e a abstrair-me, mas os chocolates eram da nestlé, não, não podiam ser, chocolates regina, os mais antigos são os chocolates regina, mas desde quando é que eles existem, sinto o turbilhão que se apodera de mim e sorrio, olho pelo canto do olho (mas pelo canto do olho eu não vejo nada, a miopia, a miopia), há uma qualquer tensão dentro de mim que eu não consigo resolver, mas sou só um puto, sou só um puto, sou só um puto, e eu não como chocolates.
procuro uma avenida onde ela não existe e acabo sempre por me perder nos meus sonhos, trago pessoas para eles que não se compõem na minha vida real, interesso-me sobretudo pelo que não conheço. tento descrever no meu pensamento as características das pessoas, mesmo que essas pessoas não sejam nada daquilo que previa na primeira impressão. come chocolates, menina, come chocolates, um velho mascarado de álvaro de campos a tocar xilofone nas escadas do metro e, lá ao fundo, as saias de uma jovem a levantar voo por causa da chegada do comboio à estação. se tudo fosse tão previsível como são os chocolates, meu amor, não teríamos hipótese de nos sentarmos à mesa do café, parados, só a observar.
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terça-feira, setembro 09, 2003
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