podes não acreditar, benedita, mas eu queria ser um daqueles homens antigos que vestiam casacos cheios de peles e usavam uns calções muito largos, com uns collants esquisitos a tornar-lhes as pernas mais magras do que já eram e com uns chapéus largos a tapar-lhes todo o crânio. gostava de poder andar por ruas sujas em cidades portuárias da Flandres e pensar em como o mundo é redondo e do outro lado é que existem todas as especiarias que nos fazem enriquecer aqui neste porto onde os barcos chegam cheios de futuras fortunas e um magote de homens com doenças venéreas.podes não acreditar, benedita, mas era isso que eu queria, era isso que eu queria.
provavelmente tens razão quando me dizes que as minhas pernas ficariam ridículas nuns collants e que me falta já o cabelo para amparar um daqueles chapéus. provavelmente tens razão que se eu me ocupasse tanto tempo a passear pelas ruas sujas de antuérpia me faltariam depois as horas para podermos ir ao café. tens razão quando me dizes que, neste estado de século, não haveria sequer os cafés onde pudéssemos parar a conversar. mas para mim é tudo muito maior do que isso. para mim é ter o mundo inteiro ainda por descobrir, poder encontrar uma razão para viver mais forte do que eu e não ter que receber informação de cada vez que me sento na sala a descansar. provavelmente tens razão, benedita, mas para mim era poder ser tudo muito mais intensamente do que desta maneira.
e por isso mesmo, benedita, me apanhas aqui a olhar para os livros de história que o meu pai guarda na biblioteca. sinto-me bem a folhear esta minha vida que ficou por acontecer. e mesmo quando me apercebo que me espreitas pela porta, benedita, quando te oiço dizer, anda david, mergulho um pouco mais nas páginas onde posso sentir que o mar me vem beijar a pele ultrapassando todos os tecidos que o van Hoogdallen me preparou tão carinhosamente por sermos amigos desde pequenos. e tu a ficares impaciente (mas será que a Benedita é mesmo assim impaciente?), e a começares a ficar com as bochechas da mesma cor dos teus cabelos (pintados?), e eu a levantar a cabeça, finalmente, com um postal de mim mesmo como eu seria se pudesse ter sido aquilo que eu queria a tapar-me a face.
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quinta-feira, setembro 11, 2003
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