o eterno problema dos carteiros é não saberem onde guardamos o nosso amor. olham os envelopes com os bigodes espantados e acariciam-nos, violentamente, com carimbos de regresso à solidão. estão fechados em casas de janelas vermelhas e saem à rua de farda. pisam o chão com a mesma decisão de um exército perdido na batalha anterior. e tocam, tocam muito, às campaínhas de quem não está.
o eterno problema dos carteiros são os sacos sem fundo onde a nossa letra se torna irreconhecível de tão escuro. os selos abraçam-se e fogem para o paraíso dos selos, as letras dançam ao sabor do esquecimento e não se sabe nunca onde está o remetente e o destinatário. nos gabinetes, uma vez mais, bigodes sisudos e derrotados, têm os dedos feios e duros ao toque. eu não poderei nunca saber, mas juro que os envelopes choram.
o eterno problema dos carteiros é não terem asas para subir às janelas das amadas, que se penteiam longamente em frente aos espelhos velhos das avós. não puderem ser anjos anunciadores, nem mágicos, navegantes, descobridores. e talvez lhes pese o bigode insólito e burocrático, o pêlo encravado sobre o lábio. eu continuo a lançar envelopes em branco da varanda.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
sexta-feira, outubro 22, 2004
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1 comentário:
Intenso e bonito como todas as estórias de amor tem de ser!Parabéns!
Serennablack
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