lembro-me do tempo em que ficavamos em casa, de face encostada na janela fria, a ver a chuva a cair lá fora. era outubro e as casas todas castanhas. sentíamos sobre o telhado a água que escorria, a minha mãe a sussurrar o algeroz estragado, o telefone a tocar e a dizer o pai não vem jantar, tinha o trabalho, tinha a estrada cortada, a nossa cara encostada na janela fria, as constipações, os chás quentes, as mãos que se tocavam, uma na outra, as casas lá fora castanhas, castanhas assadas a queimar como as carícias cheias de timidez.
lembro-me de quando os casacos nos abraçavam como um colo de gigante e nós sorríamos escondidos debaixo das golas peludas, com gorros a taparem-nos os olhares sempre cúmplices. era outono e saímos para ir à escola e para visitar a avó, sempre a copiar os passos um do outro, os teus cabelos negros a tingirem as nuvens e os meus olhos envergonhados a contar os quilómetros imaginários do vento. as estradas estavam tingidas de folhas secas e molhadas das árvores, eu chamava o teu nome baixinho, como o vento.
lembro-me de ser a meio da noite, de ouvir chamar baixinho, enquanto no quarto ao lado a mãe a rezar pelo algeroz, o telefone que tocava e dizia o pai não vem ficar a casa, um cliente lá longe, as estradas cheias de água, fica na pensão, no hotel, quando fôr fim-de-semana prendas para todos e palavras de quem sempre lá esteve, ouvir chamar baixinho e os lençõis a levantar, a tua mão na minha cara, um beijinho, era a meio da noite, outono, castanho, negros, os teus cabelos, a chuva lá fora, longe como o frio.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
terça-feira, outubro 19, 2004
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