as mãos suspensas sobre as pernas, de frente para a fotografia, uma cara infeliz para sempre metida dentro da moldura, a descendência a dizer que eras tão feia, e assim fica para a posteridade um negativo do que foste em vida, uma sinfonia orquestrada para me matar o coração a cada encontro, uma beleza depurada pelas palavras que sempre me oferecias, um segredo feito só nosso, sem remetentes no futuro.
no dia do teu enterro, eu fiquei sentado do lado de fora da igreja, a arrancar as pétalas de um malmequer que apanhei de um jardim. as pessoas não me dirigiam a palavra, sequer, tal deveria ser a minha cara de terror perante a solidão em que me deixaste. ao mesmo tempo que digo isto, relembro que quase ninguém estava consciente desse grande amor. então, ninguém me falava, porque ninguém me conhecia. ninguém sabia o que eu estava a fazer por ali.
agora são onze horas da manhã, de um dia muitos anos depois. estou velho, muito mais velho do que o velho que era quando te foste. esta manhã vi-te a passear pelo jardim, de mão dada comigo. sim, foi muito dificil perceber que a tua neta, a tua Carminho, como lhe chamavas, é agora uma mulher como tu eras, e talvez levasse pela mão o mesmo segredo a que tu me deixaste pertencer. escrevo-te.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
terça-feira, outubro 12, 2004
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário