Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

quarta-feira, agosto 18, 2004

pegadas de sonhos

Num chão muito muito azul encontrei as pegadas dele.
Grandes grandes grandes como um camião.
Um camião vermelho que transporta, na auto-estrada, todas todas as alfaces que o avô Miguel colheu, no meio das cenouras e dos tomates e das batatas e do milho, no seu quintal e que agora vão ser vendidas no Mercado.

Nas pegadas dele eu podia fazer a minha casa.
Por entre os altos e baixos da sola do sapato faria uma sala,
Um quarto, a cozinha e a casa-de-banho. O resto da pegada seria
Um jardim. Um jardim da cor dos olhos dele.
Os olhos dele são de uma cor que não existe. Uma cor que às vezes é parecida com a chuva e outras vezes parecida com o vento. Uma cor que vem da água mas que também vem do fogo. Uma cor daquelas que nós nunca conseguimos ver, só imaginar.

Tentei olhar para longe longe, julgo que ainda era possível ouvi-lo.
Num chão muito muito azul encontrei as pegadas dele.
Azul como se diz do céu mas não o mesmo azul, um outro azul, como encontramos nos olhos, um azul como encontramos nas árvores, um azul como encontramos nas flores. Azul como se diz do céu mas não o mesmo azul. Azul como outro azul que não existe.

Nas pegadas dele eu podia fazer a minha escola.
Por entre os altos e baixos da sola do sapato faria as salas,
da Professora Maria, da Professora Joana e do Professor Joaquim.
Uma casa-de-banho, um refeitório e um recreio. O resto da pegada seria
Uma sala gigante. Gigante e cheia de brinquedos.
Como aquelas salas que nós temos nos sonhos, salas onde cabem todos todos os brinquedos, de todos os meninos e meninas, de todos os senhores e senhoras, brinquedos de todas as formas e tamanhos, brinquedos de todas as cores, possíveis de fazer todas as brincadeiras. Como aquelas salas que temos nos sonhos.

E eu corria corria, atrás dele, pelo caminho azul azul azul.
Tentei olhar para longe longe, julgo que ainda era possível ouvi-lo.
Ou então era uma música, a tocar muito muito baixinho, num rádio de pilhas, num quarto de um outro menino ou menina, lá longe longe, muito muito longe, na terra onde vivem os sonhos.

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