podia ser uma dor de barriga ou uma ideia mal formada encostada à fronteira do meu crâneo. era ainda uma outra coisa, um carro a andar numa estrada escura, onde não passam mais carros, onde ninguém espreita de dentro das casas. podia ser vento, podia ser um beijo, podia ser do calor também, uma vontade maior do que as pernas, maior do que os olhos. uma ideia mal formada quando ainda estávamos no elevador. abrir a porta, correr para a casa de banho.
ainda assim, acho que me fica muito mal para a olhar para dentro da sanita, como se fosse um filme, aquela ideia de procurar-me por dentro, aquela aproximação às fezes, doentia, repetia o médico, acção doentia cíclica, e o mar alto cheio de marinheiros de barbas, com camisas brancas cheias de nódoas e um parto inesperado algures no meio do pacífico. passei a noite toda a sonhar com a minha filha, uma coisa pequena que me deixou a cabeça em água. sim, acordei preocupado, mas sosseguei ao reencontrar-me solteiro e só.
podia ser só uma dor de barriga, mas era muito mais que isso, sonhos e sonhos e sonhos, repetidos como frames de videocassetes velhas, o leitor de vhs que está avariado há anos, os velhos filmes italianos gravados da rai uno quando eu era a única pessoa com antena parabólica, a minha filha a passear-me sobre os livros, o meu quarto reduzido a um aspecto de pensão, podia ser uma dor de barriga, eu levantando-me da sanita aliviado, o suor a resfriar-me nas sobrancelhas, mas uma ideia mal formada, germinada, no meu crâneo.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
sábado, agosto 07, 2004
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