agora que tornámos todas as coisas muito mais difíceis do que elas são na realidade, sentamo-nos sobre as nossas pernas e olhamos para os jardins que se construíram nos andares cimeiros dos nossos prédios. é uma ocupação como outro qualquer, digo-te. tu sorris e procuras um sítio onde encostares a cabeça. eu tenho as calças sujas e já tirei a camisa, para fingir que estou na praia. ao passares a tua mão pelo meu peito, algo se arrepia em nós.
ando pela rua e tento imaginar-me fora destes sítios todos tão familiares. ponho-me noutra pele e penso, agora não sou daqui. anda-se na rua da mesma maneira, mas as coisas ficam diferentes. sentimos mais o peso do nosso corpo. não é a mesma coisa, ler um jornal com as letras que sempre reconhecemos ou ler um outro jornal qualquer. ontem era de noite e de noite todas as coisas sabem melhor. como se estivéssemos mais perto ou assim. tu dizias foder e eu dizia amor. nem um nem outro sabíamos do que estávamos a falar.
amontoei papéis e papéis com anotações mínimas em cima da minha secretária. por lá deixei ficar também alguns jornais e as chaves de diversos apartamentos a que tenho acesso. livros, sim, livros. é um trabalho, minha querida, não tem nada de romântico, digo-te. tu olhas-me e sorris. vejo o teu corpo a abandonar o meu espaço, embora quisesse ficar. é tarde, fecha bem a porta, os ladrões. tu sais de casa e deixas um lenço teu sobre a mesa do hall. podíamos ser felizes, diz a vizinha da porta em frente. são onze e trinta e quatro. estou sentado sobre as minhas pernas.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
sábado, junho 05, 2004
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