Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

segunda-feira, dezembro 26, 2005

espaço em branco

tudo o que tinhas a dizer, disseste, eu bem o sei, naquele momento em que fui capaz de ouvir o mais profundo silêncio da terra a abrir debaixo dos meus pés. foi preciso que eu abrisse um espaço assim, para o meu medo, depois de tanto eu ter falado aos teus ouvidos. sorriste ou nem sei se sorriste - passaste-te para um outro lado da fronteira, da fronteira onde eu já não estou.

houve tempos em que poderíamos ter sido felizes, tempos em que as coisas eram todas de outro modo. eu podia andar descansado por entre as lojas, a levantar o chapéu a toda a gente, tempos em que as tuas mãos sujas de tinta-da-china descansavam, solenemente, sobre a mesa do teu ateliê. também isso passou, ambos o sabemos. e se o tempo não volta atrás, muito menos eu, meu antigo amor, posso.

tudo o que tinhas a dizer, disseste. não guardo sequer espaço para o ressentimento, visto o meu casaco de todos os dias e saio vergado debaixo do guarda-chuva. um ou outro dia uma jovem de rosto triste passa a mão pelas minhas barbas e eu sem reacção. depois de tanto silêncio, já não se consegue sobreviver ao bater do coração. e ficou muito, muito frio.

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