ele agora passa a vida a escrever romances. sim, é verdade. deixou crescer a barba e veste sempre camisas engomadas por uma criada que ele encontrou ninguém sabe como. um dos amigos viu-o passar na montra de um café da parte central da cidade. anda muito concentrado e nunca responde aos telefonemas que lhe fazemos para o telemóvel. outro dos amigos deixou-lhe uma mensagem e na resposta, escrita, veio a notícia dos romances. e é por isso que ninguém o vê.
fartou-se de lisboa. fartou-se da europa. ouviram-no dizer que vai para a angola. porque lá se ganha mais, trabalhando-se muito menos. diz ele, talvez seja o único a acreditar nisso. vai para angola escrever romances. talvez se lembre do pai, que foi para angola matar pretos. talvez se lembre da mãe que ficou por cá a limpar a cozinha e, de um dia para o outro, estava a caminho de espanha com um amigo do tio. voltou branca como a cal, calada, louca. uma semana. foi só uma semana. ele na casa da avó, sempre a mesma história. mas agora ninguém o vê.
um destes dias, está prometido, vamos ver o nome dele numa montra, não de um café, mas de uma livraria qualquer. diz que vai ser um romancista africano. que assim vai ser mais facil vender livros, talvez consiga publicar numa colecção de autores exóticos. está toda a gente farta de meninos de lisboa filhos de pais que mataram pretos. agora toda a gente quer engomados de luanda. é o que ele diz. agora que já ninguém o vê.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
segunda-feira, novembro 15, 2004
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário