Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

quinta-feira, janeiro 13, 2005

ebulição

estás sempre a falar de coisas que não têm importância nenhuma para ti, escreve o que não és capaz de dizer. tens medo das pessoas, sejam homens ou mulheres, desvias os olhos para cima da mesa, a mesa do café, onde o cinzeiro só tem papéis de rebuçados e a chávena ficou suja com a espuma do café. os pés tremem-te, sim, os pés no bate bate constante, pé de costureira, lembras-te, os pés tremem-te, à força das pernas incapazes de ficar quietas. estás nervoso, constantemente nervoso. em ebulição, preferes dizer.

páras a meio das frases, interrompido por um pensamento absurdo ou por alguém que chegou. páras a meio das frases, pensas que as coisas sem importância não interessam a ninguém. talvez estejas até certo, se tu próprio desvalorizas aquilo de que estás a falar. por isso escreves, escreves o que não és capaz de dizer. tanta gente à volta de uma mesa, sem nenhum olhar que repouse noutro. não há sossego aqui, pensas, pensam. os pés tremem debaixo da mesa, a àgua no copo a denunciar o nervosismo. a ebulição, sim.

recolhes as mãos para dentro dos bolsos, escondidos entre as pernas, encolhes todo esse corpo enorme até te imaginares do tamanho de uma formiga. as mãos em cima da mesa estariam em perigo de toque. tens medo. sim, tens medo e, até por isso, não o dizes a ninguém. falas mal de pessoas que não conheces. só para desviar as atenções. uma mesa de café onde se fala é uma arma contra os gritos que não te largam, dentro da tua cabeça. o mesmo nervosismo de sempre. ebulição, fica melhor.

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