o que me intimida é o facto de quase nada fazer sentido neste mais que nada mundo feito de coisas nenhumas. tenho os pés gelados e o nariz pinga-me. na televisão passa um bailado qualquer que eu sei que é conhecido mas que agora não me lembro o nome. tento não me preocupar muito com isso. não me preocupo. aliás, preocupo-me. sim, a toda a hora. é impossível não pensar num monte de merdas que me sobem à cabeça como se eu fosse uma espécie de último-andar-com-vista-panorâmica-e-tudo-à-borla-para-toda-a-gente-ver-como-é-bonito-foder-o-juízo-de-um-gajo-como-eu. tenho três mil malucos à perna e só deus sabe o que isso me custa.
preferia não ter que te telefonar a toda a hora, até porque eu sei que isso te incomoda. ok. mas tenta perceber que essa é a minha forma de pedir ajuda enquanto eu sei que posso pedi-la. porque vai haver um dia em que eu já não vou conseguir pedir mesmo nada a ninguém. vai haver um dia em que vou estar a olhar para um livro e vai-se dar um grande estrondo dentro da minha cabeça. nesse momento, é com pena que eu o anuncio, vou ficar totalmente idiotinha das ideias. vou começar a babar a toda a hora (e não só quando adormeço no autocarro, como agora), vou andar tentado a colocar a mão no pénis em todo o lado (e não só no meu quarto, como agora), vou começar a verbalizar todos os meus pensamentos perversos e a dizer na cara das pessoas aquilo que eu realmente acho delas. depois, vão levar-me ao médico e vão dizer-me que eu estou oficialmente maluco. eu faço uma festa e acabo a noite a urinar em frente ao posto da psp (por simples descargo de consciência contra a ditadura de terem instalado o posto na rua onde eu ia sempre mijar quando o posto era no outro lado da cidade). e vão acabar por me fechar dentro de uma caixa de anti-depressivos. vai ser fixe, ver o mundo todo cor-de-rosa.
depois eu sei que as pessoas se vão queixar de me terem deixado sem assistência. eu vou-me sempre rir para todos os desconhecidos que conseguir e dizer que não, sempre me quiseram assistir, eu é que nunca deixei. não volto a ser chorão, ai, nem que me paguem. eu não me queixo do mundo. queixo-me é de mim. tenho calos nos pés e não me apetece ir ao calista. devo culpar o criador por isto? em frente à minha casa abriram uma loja de souvenirs para turistas. eu vou lá todos os dias comprar um postal da minha rua. não é que me façam falta, nem ando com um renovado interesse em divulgar a minha cidade aos correspondentes estrangeiros. mas sinto que entre mim e o mundo nasce a necessidade de me sentir desprendido do meu lugar. e compro postais como se fosse um turista. a senhora desconfia. mas tudo se permite a uma carteira. por muito estúpida que ela possa ser.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
sábado, outubro 25, 2003
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