esta manhã, ao olhar a vitrina do café cheia de comida, apeteceu-me chorar. era eu em silêncio, uma chávena de café nas mãos, quente. a empregada a soprar cansaços ou outros pensamentos sobre o balcão. e a dona do café a chegar com mais bolos, acabados de confeccionar, a arrumá-los nas bandejas. esta manhã, eu olhava a comida e apetecia-me chorar. não é a minha fome, não - eu não sei bem o que é, esta consciência social de ligação directa aos vasos de lágrimas.
a verdade é que existem algumas coisas que me dão vontade de chorar. crianças felizes a brincar em pátios. mulheres tristes sentadas em soleiras de portas. homens perdidos nas suas próprias ficções de masculinidade. comida exposta em vitrinas de cafés. o café estava vazio, havia um sîlêncio um tanto desolador entre as mesas. as poucas pessoas que estavam tinham-se sentado, geometricamente, em cantos. a televisão estava desligada. houvia-se demasiado bem os sopros da empregada. a minha mão a segurar a colher que mexia o café.
não fiquei muito tempo naquele café, mas a primeira frase desta história começou a crescer em mim quando ainda bebia o meu café. a comida que me fez chorar eram folhados de salsicha, de chouriço, croissants, empadas, queques, bolos. era comida para o almoço de gente pobre que hoje talvez não tenha vindo trabalhar. era comida para miúdos da escola que hoje não abriu. era comida que fez apetecer chorar. naquele café nem sequer havia um jornal para esconder as lágrimas. era eu, a empregada, as mulheres sentadas aos cantos e um relógio de parede. tudo isto e uma vitrina cheia de comida.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
segunda-feira, janeiro 02, 2006
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