Estava aqui há dois anos e seis meses, acho que algures entre crescimento e amadurecimento, consegui ir sintetizando algumas das dúvidas que fazem parte do meu trabalho artístico escrito. Íntimamente ligado a este, o meu projecto pessoal, alterando-se com o normal passar dos dias.
Estava aqui há dois anos e seis meses e, se existem alturas melhores que outras para mudar, o início de um novo ano será certamente uma delas. Tenho que agradecer a todos aqueles que por aqui foram passando o importante contributo que me deram, lendo, comentando e apoiando aquilo que eu aqui fiz. Agora, o meu último pedaço de esferovite tem uma palavra gravada. Adeus.
Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)
quarta-feira, janeiro 04, 2006
segunda-feira, janeiro 02, 2006
comida
esta manhã, ao olhar a vitrina do café cheia de comida, apeteceu-me chorar. era eu em silêncio, uma chávena de café nas mãos, quente. a empregada a soprar cansaços ou outros pensamentos sobre o balcão. e a dona do café a chegar com mais bolos, acabados de confeccionar, a arrumá-los nas bandejas. esta manhã, eu olhava a comida e apetecia-me chorar. não é a minha fome, não - eu não sei bem o que é, esta consciência social de ligação directa aos vasos de lágrimas.
a verdade é que existem algumas coisas que me dão vontade de chorar. crianças felizes a brincar em pátios. mulheres tristes sentadas em soleiras de portas. homens perdidos nas suas próprias ficções de masculinidade. comida exposta em vitrinas de cafés. o café estava vazio, havia um sîlêncio um tanto desolador entre as mesas. as poucas pessoas que estavam tinham-se sentado, geometricamente, em cantos. a televisão estava desligada. houvia-se demasiado bem os sopros da empregada. a minha mão a segurar a colher que mexia o café.
não fiquei muito tempo naquele café, mas a primeira frase desta história começou a crescer em mim quando ainda bebia o meu café. a comida que me fez chorar eram folhados de salsicha, de chouriço, croissants, empadas, queques, bolos. era comida para o almoço de gente pobre que hoje talvez não tenha vindo trabalhar. era comida para miúdos da escola que hoje não abriu. era comida que fez apetecer chorar. naquele café nem sequer havia um jornal para esconder as lágrimas. era eu, a empregada, as mulheres sentadas aos cantos e um relógio de parede. tudo isto e uma vitrina cheia de comida.
a verdade é que existem algumas coisas que me dão vontade de chorar. crianças felizes a brincar em pátios. mulheres tristes sentadas em soleiras de portas. homens perdidos nas suas próprias ficções de masculinidade. comida exposta em vitrinas de cafés. o café estava vazio, havia um sîlêncio um tanto desolador entre as mesas. as poucas pessoas que estavam tinham-se sentado, geometricamente, em cantos. a televisão estava desligada. houvia-se demasiado bem os sopros da empregada. a minha mão a segurar a colher que mexia o café.
não fiquei muito tempo naquele café, mas a primeira frase desta história começou a crescer em mim quando ainda bebia o meu café. a comida que me fez chorar eram folhados de salsicha, de chouriço, croissants, empadas, queques, bolos. era comida para o almoço de gente pobre que hoje talvez não tenha vindo trabalhar. era comida para miúdos da escola que hoje não abriu. era comida que fez apetecer chorar. naquele café nem sequer havia um jornal para esconder as lágrimas. era eu, a empregada, as mulheres sentadas aos cantos e um relógio de parede. tudo isto e uma vitrina cheia de comida.
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