Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

sábado, novembro 05, 2005

dedicado, em itálico

eu não tenho trinta anos, ainda.

mas há qualquer coisa que me faz viver como se os tivesse. talvez a falta de cabelo, ou a falta de afecto. talvez um certo carinho por canções românticas dos anos oitenta e uma nostalgia pelos passeios de sábado à tarde a ouvir a rfm. talvez por não ser capaz de me lembrar da minha infância, talvez por a minha infância não ser um campo onde se correu feliz.

eu não tenho trinta anos, ainda.

tenho talvez um pouco mais. e visto uma outra pele com o casaco, faço cara de mau ao balcão do café e conquisto assim um respeito amistoso de pessoas que eu não conheço. volto para casa cedo, às sextas à noite, com medo de ficar, com mais uma imperial, a olhar para as pernas de raparigas dez anos mais novas. fecho-me no quarto, a ler saramago, quando saramago era quem eu queria nunca ler.

eu não tenho trinta anos, ainda.

e mesmo assim há qualquer coisa de familiar nesta maneira de se ser solteiro. olho com incredulidade para uma série de coisas em que acredito e, um pouco mais frente, decido que não acredito assim em tanta coisa que se justifique andar sempre à procura de uma posição para todas as coisas. e depois olho para um jornal e vejo uma frase, uma palavra só, que me faz sentir como se eu próprio a tivesse escrito.

eu não tenho trinta anos, ainda, mas existem algumas palavras que me fazem viver como se os tivesse.

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